Não é de hoje que se coloca em xeque o potencial conflito de interesses na interação da indústria farmacêutica com profissionais de saúde, especialmente os médicos.
Diferentemente de outros mercados, em que empresas vendem seus produtos diretamente aos consumidores, o mercado farmacêutico destina-se a prover medicamentos a pacientes, mas é o médico quem indica que medicamento comprar, por meio de sua prescrição.
Dessa forma, é preciso ponderar até que ponto quaisquer transferências de valor da indústria para o médico podem caracterizar alguma influência indevida para resultar em aumento de prescrição por parte do profissional em favor da empresa, sem que a razão seja única e exclusivamente a busca do melhor tratamento para o seu paciente.
É importante salientar que, com a criação de novas drogas e com a proliferação de indústrias farmacêuticas – especialmente as fabricantes de medicamentos genéricos e similares –, passou a existir um amplo arsenal de medicamentos à disposição do médico, cujos padrões de eficácia e segurança são muito semelhantes. Assim, sua escolha pode recair sobre diversas alternativas.
As transferências de valor aqui citadas podem ser tanto remuneração por serviços prestados pelo profissional de saúde como também pagamentos de passagens aéreas, diárias de hotel, refeições, registros em congressos, preceptorias (quando o profissional de saúde é encaminhado para uma instituição de saúde, durante um prazo específico, com o propósito de receber um treinamento específico) etc.
Ciente do fato, os Estados Unidos tomaram a liderança de aprovar uma lei em 2010, chamada de Physician Payments Sunshine Act, com o propósito de obrigar as indústrias farmacêuticas a reportar anualmente ao governo norte-americano as transferências de valor a profissionais de saúde e a hospitais-escolas. Essa captura de transferências de valor para profissionais de saúde é também denominada “transparência”.
O objetivo é informar aos cidadãos quanto os profissionais de saúde ou os hospitais-escola que lhe irão prestar serviços receberam de indústrias farmacêuticas, e quais foram elas.
Esse pontapé inicial da legislação dos Estados Unidos foi seguido por outros países, conforme a imagem abaixo:
É importante salientar que boa parte dos países estabeleceu normas de “transparência” não por meio de leis e sim por autorregulamentação. Foi o caso da União Europeia em 2013, quando a European Federation of Pharmaceutical Industries and Associations (EFPIA) lançou o seu Disclosure Code obrigando suas associadas a capturarem os pagamentos a profissionais de saúde, a fim de publicá-los em uma home page específica para tal fim.
Dessa forma, dos países acima citados, temos aqueles com regras sobre “transparência” baseadas em lei e aqueles com regras baseadas em autorregulamentação:
No Brasil, quem tomou a iniciativa foi Minas Gerais, que aprovou duas leis estaduais determinando a captura de transferências de valor para profissionais de saúde e também em decorrência de patrocínios a eventos científicos, a fim de informar anualmente a Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais para que a mesma exibisse tais transferências em uma home page específica, visando informar o cidadão sobre potenciais conflitos de interesse:
- Lei de Transparência do Estado de MG – Profissionais de Saúde (Lei 22.440/2016).
- Lei de Transparência do Estado de MG – Patrocínios (Lei 22.921/2018).
Existem ainda quatro projetos de lei (7990/17, 11050/18, 11177/18 e 204/19) tramitando no Congresso Nacional que pretendem estender tal obrigação para todo o Brasil.
Por fim, é bom salientar que os Estados Unidos novamente inovaram em relação ao tema estabelecendo normas para a transparência de preços de medicamentos – tema que será objeto de um novo artigo em breve.