Enquanto o Brasil adotou sua Lei Anticorrupção direcionada às empresas somente em 01 de agosto de 2013 com a Lei 12.846, a Índia adotou “The Prevention of Corruption Act” em 09 de setembro de 1988, Lei Anticorrupção que tipifica e penaliza delitos de suborno envolvendo tanto indivíduos (pessoais naturais), como também empresas (pessoas jurídicas). Passaremos a discorrer sobre os principais pontos desta lei a seguir.
A Índia, república parlamentarista, com 28 Estados e 9 territórios, é considerada a maior democracia do mundo, com aproximadamente 1.428.600.000 habitantes, segundo o relatório sobre o estado da população mundial em 2023, publicado pelo Fundo da População das Nações Unidas. O parlamento indiano é de natureza bicameral, com o Lok Sabha e o Rajya Sabha. O Rajya Sabha é considerado a câmara alta ou o Conselho de Estados e consiste em membros nomeados pelo presidente e eleitos pelas legislaturas estaduais e territoriais; ao passo que o Lok Sabha é considerado a câmara baixa ou a casa do povo. O Lok Sabha é uma casa temporária e só pode ser dissolvida quando a parte no poder perde o apoio da maioria da casa. O Rajya Sabha é uma casa permanente e nunca pode ser dissolvida. Os membros do Rajya Sabha são eleitos para um mandato de seis anos. O judiciário contém sistematicamente um tribunal supremo, 24 tribunais superiores e vários tribunais distritais, todos subordinados ao tribunal supremo.
Após breve visão da estrutura legislativa vigente na Índia, passamos a detalhar a “The Prevention of Corruption Act”, já começando pela definição de vantagem indevida, que segundo a referida lei, compreende qualquer gratificação de qualquer natureza, que não seja a remuneração legal.
Segundo a “The Prevention of Corruption Act”, o Governo Central ou o Governo do Estado poderá, mediante notificação no Diário Oficial, nomear quantos Juízes Especiais forem necessários para tal área ou áreas ou para tal caso ou grupo de casos conforme especificado na notificação para julgar (i) qualquer crime punível nos termos desta lei e (ii) qualquer conspiração para cometer ou qualquer tentativa de cometer ou qualquer cumplicidade de qualquer um dos delitos especificados nesta lei.
Ainda segundo essa Lei, não haverá recurso por parte de uma pessoa condenada em qualquer caso julgado sumariamente sob esta seção em que o Juiz Especial profere uma sentença de prisão não superior a um mês e de multa não superior a duas mil rúpias.
Definição de “Funcionário Público”
Um aspecto muito importante da “The Prevention of Corruption Act” é a definição de “funcionário público”, compreendendo toda a lista exposta abaixo:
DEFINIÇÃO DE “FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS” NA ÍNDIA
1. qualquer pessoa a serviço ou remunerada do Governo, ou ainda remunerada pelo Governo por honorários ou comissões pelo desempenho de qualquer função pública;
2. qualquer pessoa a serviço ou remunerada por uma autoridade local;
3. qualquer pessoa a serviço ou remunerada de uma empresa estabelecida por ou sob uma lei central, estadual ou distrital, ou uma autoridade ou órgão pertencente ou controlado ou auxiliado pelo Governo ou empresa governamental, conforme definido na seção 617 da Lei das Sociedades de 1956;
4. qualquer Juiz, incluindo qualquer pessoa habilitada por lei para exonerar, por si mesmo ou como membro de qualquer órgão de pessoas, quaisquer funções adjudicatórias;
5. qualquer pessoa autorizada por um tribunal de justiça a desempenhar qualquer função relacionada com a administração da justiça, incluindo um liquidante, síndico ou comissário nomeado por tal tribunal;
6. qualquer árbitro ou outra pessoa a quem qualquer causa ou assunto tenha sido encaminhado para decisão ou relatório de um tribunal de justiça ou de uma autoridade pública competente;
7. qualquer pessoa que exerça um cargo em virtude do qual esteja habilitado a preparar, publicar, manter ou revisar cadernos eleitorais ou realizar eleições ou parte de eleições;
8. qualquer pessoa que exerça um cargo em virtude do qual esteja autorizado ou obrigado a cumprir qualquer função pública;
9. qualquer pessoa que seja presidente, secretário ou outro titular de cargo de uma sociedade cooperativa registrada envolvida na agricultura, indústria, comércio ou banco, recebendo ou tendo recebido qualquer ajuda financeira do Governo Central ou de um Governo Estadual ou de qualquer corporação estabelecida por ou sob uma Lei Central, Provincial ou Estadual, ou qualquer autoridade ou órgão de propriedade ou controlado ou auxiliado pelo Governo ou por uma empresa governamental, conforme definido na seção 617 da Lei das Sociedades de 1956;
10. qualquer pessoa que seja presidente, membro ou funcionário de qualquer Comissão de Serviço ou Conselho, seja qual for o nome, ou membro de qualquer comitê de seleção nomeado por tal Comissão ou Conselho para a realização de qualquer exame ou seleção em nome de tal Comissão ou Conselho;
11. qualquer pessoa que seja Vice-Reitor ou membro de qualquer órgão de governo, professor, leitor, conferencista ou qualquer outro professor ou funcionário, por qualquer designação denominada, de qualquer Universidade e qualquer pessoa cujos serviços tenham sido utilizados por uma Universidade ou qualquer outra autoridade pública em conexão com a execução ou realização de exames;
12. qualquer pessoa que seja titular de cargo ou funcionário de instituição educacional, científica, social, cultural ou outra, de qualquer forma estabelecida, que receba ou tenha recebido qualquer assistência financeira do Governo Central ou de qualquer Governo Estadual, ou local ou outra autoridade pública.
Delitos Tipificados na Lei Anticorrupção
Passamos agora aos principais delitos tipificados na Lei:
OFENSA RELACIONADA AO SUBORNO DE FUNCIONÁRIO PÚBLICO
Qualquer funcionário público que:
a. obtiver, aceitar ou tentar obter de qualquer pessoa uma vantagem indevida, com a intenção de cumprir ou causar o desempenho de um dever público de forma inadequada ou desonesta, ou de abster-se ou causar tolerância no cumprimento de tal dever, por si mesmo ou por outro servidor público ; ou
b. obtenha, aceite ou tente obter vantagem indevida de qualquer pessoa como recompensa pelo desempenho impróprio ou desonesto de um dever público ou por se abster de cumprir tal dever, por si mesmo ou por outro servidor público; ou
c. desempenhe ou induza outro servidor público a cumprir de forma inadequada ou desonesta um dever público ou a deixar de cumprir tal dever em antecipação ou em consequência de aceitar uma vantagem indevida de qualquer pessoa.
Pena: prisão não inferior a três anos, mas que pode ir até sete anos, e também punível com multa.
Com respeito ao delito acima, está claro que a lei indiana penaliza igualmente o funcionário público, ou seja, a denominada corrupção passiva, na medida em que esse passe a ser beneficiário de suborno para, valendo-se de sua função pública, proporcionar alguma vantagem indevida ao particular. Aliás, é irrelevante se o funcionário público recebe o suborno diretamente ou por meio de um terceiro.
APROVEITAR VANTAGEM INDEVIDA PARA INFLUENCIAR SERVIDOR PÚBLICO POR MEIOS CORRUPTOS OU ILEGAIS OU PELO EXERCÍCIO DE INFLUÊNCIA PESSOAL
Quem aceita, obtém ou tenta obter de outra pessoa, para si ou para qualquer outra pessoa, qualquer vantagem indevida como motivo ou recompensa para induzir um servidor público, por meios corruptos ou ilegais ou pelo exercício de sua influência pessoal, a desempenhar ou fazer com que o cumprimento de um dever público seja realizado de forma imprópria ou desonesta ou a proibir ou fazer com que tal dever público seja suspenso por tal servidor público ou por outro servidor público.
Pena: prisão não inferior a três anos, mas que pode ir até sete anos, sendo ainda punível com multa.
Essa outra tipificação complementa o delito da corrupção passiva, em que o funcionário pode obter ou tentar obter para si ou para qualquer outra pessoa algum benefício decorrente de suborno.
OFENSA RELATIVA AO SUBORNO DE UM FUNCIONÁRIO PÚBLICO
Qualquer pessoa que dê ou prometa dar uma vantagem indevida a outra pessoa ou pessoas, com intenção de (i) induzir servidor público a exercer indevidamente função pública; ou (ii) recompensar tal servidor público pelo desempenho indevido de funções públicas.
Pena: até sete anos de prisão ou multa, ou ambos.
Aqui já é possível vislumbrar a tipificação da corrupção ativa. E se o agente for uma pessoa jurídica, ela é igualmente punida com multa. É irrelevante se o ato de corrupção é cometido diretamente ou por terceiros, visto que a legislação penalizará a ambos. Por outro lado, o agente da corrupção ativa possui uma defesa afirmativa para isentá-lo da penalidade, ou seja, se for obrigado a conceder tal vantagem indevida e se denunciar o assunto à autoridade responsável pela aplicação da lei ou agência de investigação no prazo de sete dias contados da concessão do suborno.
CRIME RELACIONADO COM O SUBORNO DE UM FUNCIONÁRIO PÚBLICO POR UMA EMPRESA
Quando um crime tipificado nesta lei tiver sido cometido por uma empresa, tal empresa será punível com multa, se qualquer pessoa associada a essa organização comercial dá ou promete dar qualquer vantagem indevida a um servidor público que pretenda (i) obter ou manter negócios para essa empresa ou (ii) obter ou manter uma vantagem na condução dos negócios para essa empresa.
Pena: multa
O conceito de empresa para o delito acima abrange tanto empresas indianas, que atuem dentro ou fora da Índia, quanto empresas estrangeiras, que cometam o referido delito em qualquer parte do território indiano. É igualmente irrelevante se o responsável pelo ato de suborno é empregado ou um terceiro agindo em nome da empresa.
PESSOA RESPONSÁVEL PELA EMPRESA SERÁ CULPADA DE CRIME
Quando um crime de suborno for cometido por uma empresa, e tal crime for provado em tribunal como tendo sido cometido com o consentimento ou conivência de qualquer diretor, gerente, secretário ou outro dirigente da empresa, esse diretor, gerente, secretário ou outro dirigente será culpado da infração e será passível de processo.
Pena: prisão não inferior a três anos, mas que pode ir até sete anos, sendo também passível de multa.
Para os efeitos do delito acima, o termo “diretor” deve compreender o conceito também de “sócio”.
FUNCIONÁRIO PÚBLICO OBTENDO VANTAGEM INDEVIDA, SEM CONTRAPRESTAÇÃO DA PESSOA ENVOLVIDA EM PROCESSO OU NEGÓCIO REALIZADO POR TAL FUNCIONÁRIO PÚBLICO
Quem, sendo funcionário público, aceita ou obtém vantagem indevida, ou tenta obter para si ou para qualquer outra pessoa, sem qualquer contraprestação, ou por uma contraprestação que ele saiba ser inadequada, de qualquer pessoa que ele saiba ter estado, ou esteja, ou que possa estar envolvida em qualquer processo ou negócio transacionado ou prestes a ser transacionado por tal funcionário público , ou que tenha qualquer ligação com as funções oficiais ou deveres públicos próprios ou de qualquer funcionário público a quem esteja subordinado, ou de qualquer pessoa que saiba ter interesse ou relação com o interessado.
Pena: prisão não inferior a seis meses, mas que pode ir até cinco anos, sendo também punível com multa.
Nesse delito acima, temos mais uma variação da tipificação da corrupção passiva.
PUNIÇÃO POR CUMPLICIDADE EM INFRAÇÕES
Cúmplice de qualquer infração punível nos termos desta Lei, seja essa infração cometida ou não em consequência dessa cumplicidade.
Pena: prisão não inferior a três anos, mas que pode se estender até sete anos, sendo também passível de multa.
Aqui o legislador indiano deixa claro que a cumplicidade não atenua a conduta delituosa praticada pelo infrator cúmplice.
MÁ CONDUTA CRIMINOSA POR PARTE DE UM FUNCIONÁRIO PÚBLICO
Diz-se que um funcionário público cometeu o crime de má conduta criminosa,
(i) se ele se apropriar indevidamente ou de outra forma converter para seu próprio uso, de forma desonesta ou fraudulenta, qualquer propriedade que lhe tenha sido confiada ou qualquer propriedade sob seu controle como funcionário público ou permitir que qualquer outra pessoa o faça; ou
(ii) Se enriquecer intencionalmente de forma ilícita durante o período do seu mandato.
Pena: prisão por quatro anos, mas que pode se estender por até dez anos, e também multa.
Esse delito assemelha-se ao delito de peculato e também de improbidade administrativa no Brasil. É importante salientar que se houver a tentativa, mas não a consumação, a pena é reduzida para prisão por prazo não inferior a dois anos, mas que pode chegar a cinco anos, além de multa. Se, por outro lado, o delito for novamente consumado, a pena será elevada para prisão por prazo não inferior a cinco anos, mas que pode chegar a dez anos, além de multa.
Responsáveis pelas Investigações
As investigações devem ser conduzidas de acordo com a geografia de onde ocorram as infrações:
Quando e se necessário, o responsável pela investigação (sendo um policial abaixo do posto de Superintendente de Polícia) poderá inspecionar quaisquer livros bancários ou registros contábeis em bancos ou instituições financeiras, se houver motivos suficientes para acreditar que o delito possa ter ocorrido, não sendo necessária a autorização por parte de um juiz.
Apreensão e Penhora de Bens
Se uma autoridade policial (não abaixo do posto de Superintendente Adjunto de Polícia) do Departamento Anticorrupção investigando um crime cometido nos termos desta lei tiver motivos para acreditar que qualquer propriedade em relação à qual uma investigação está sendo conduzida foi adquirida através de má conduta criminosa, deverá, com a aprovação prévia por escrito do Diretor do Departamento Anticorrupção, emitir uma ordem de apreensão de tais bens. Quando não for possível apreender tais bens, a autoridade deverá emitir uma ordem de penhora, determinando que tais bens não sejam transferidos ou de outra forma tratados, exceto com a permissão prévia da autoridade que emitiu tal ordem.
O Tribunal Especial, para determinar o confisco de bens de alguém, deve emitir previamente uma notificação por escrito informando o indivíduo dos motivos pelos quais se propõe a perda de tais bens. Essa pessoa terá a oportunidade de fazer uma declaração por escrito, dentro de um prazo razoável, conforme especificado na notificação, contra os motivos do confisco. Por outro lado, a ordem de confisco, se houver, não impedirá a imposição de qualquer outra punição ao infrator.