A lei anticorrupção da Rússia – lei federal nº 273, datada de 25 de dezembro de 2008 – foi sancionada pelo presidente e jurista Dmitri Anatolievitch Medvedev, cujo mandato durou de 2008 a 2012, e teve o propósito de coibir potenciais relações escusas entre o setor privado e o governo russo.
Ela começa com uma definição bastante ampla do conceito de corrupção:
Corrupção significa abuso de poder ou de autoridade, dar suborno, aceitar suborno, suborno comercial ou outro, uso ilegal por um indivíduo de sua posição oficial contrário aos legítimos interesses da sociedade e do Estado, a fim de obter benefícios na forma de dinheiro, objetos de valor, outros bens ou serviços de natureza patrimonial etc., direitos de propriedade para si ou para terceiros, ou fornecimento ilegal de tais benefícios a uma pessoa especificada por outros indivíduos.
Segundo depreende-se do trecho acima, a lei cobre tanto o corruptor (que dá suborno) quanto o corrupto (que aceita suborno).
A lei anticorrupção russa elenca sete princípios nos quais está baseada:
1) reconhecimento, provisão e proteção dos direitos humanos e civis, e liberdades fundamentais;
2) legalidade;
3) divulgação e abertura das atividades dos órgãos estaduais e autônomos locais;
4) inevitabilidade da responsabilidade por cometer crimes de corrupção;
5) o uso complexo de medidas políticas, organizacionais, de informação e propaganda, socioeconômicas, legais, especiais e outras;
6) aplicação prioritária de medidas de prevenção à corrupção; e
7) cooperação do Estado com instituições da sociedade civil, organizações internacionais e indivíduos.
No campo da extraterritorialidade, a lei russa também inova. Se, em regra, ela é aplicável aos cidadãos russos ou estrangeiros praticando atos de corrupção em território russo, a lei fomenta a assinatura de tratados internacionais para responsabilizar cidadãos estrangeiros, apátridas que não residem permanentemente na Rússia, pessoas jurídicas estrangeiras com capacidade jurídica civil, criadas de acordo com a legislação de países estrangeiros, organizações internacionais, bem como suas filiais e escritórios de representação, suspeitos da prática de crimes de corrupção fora da Rússia.
No que diz respeito à competência para combater a corrupção, a lei a atribui aos órgãos do poder federal, aos órgãos do poder estatal das entidades constituintes da Federação Russa e aos órgãos dos governos autônomos locais, havendo competência concorrente para a criação de atos administrativos entre o presidente e os líderes de Governo da Federação Russa.
Como medidas de prevenção à corrupção, a lei russa elenca as seguintes:
1) a conscientização quanto à intolerância com o comportamento corrupto na sociedade;
2) a avaliação anticorrupção de atos jurídicos e seus projetos;
3) a apresentação, na forma da lei, dos requisitos de qualificação dos cidadãos candidatos aos cargos estaduais ou municipais e aos cargos do serviço estadual ou municipal, bem como a verificação, na forma prescrita, das informações prestadas por esses cidadãos;
4) estabelecer como fundamento para destituição do cargo e/ou destituição do substituto do cargo de serviço público incluído na lista estabelecida pelos atos normativos da Federação Russa a falta de fornecimento de informações ou envio de informações sabidamente inexatas ou incompletas sobre suas receitas, despesas, bens e obrigações patrimoniais, bem como envio de informações sabidamente falsas sobre rendimentos, despesas, bens e obrigações de propriedade de seus cônjuges e filhos menores;
5) a introdução – na prática do trabalho do pessoal dos órgãos federais do poder estatal, órgãos do poder estadual das entidades constituintes da Federação Russa, órgãos de governos autônomos locais – da regra segundo a qual o desempenho de longo prazo, perfeito e eficaz por um funcionário público de suas funções oficiais, devendo ser levado em conta, a ausência de faltas, o exercício de um cargo superior, um cargo militar ou especial, um cargo diplomático ou suas promoções; e
6) desenvolvimento de instituições de controle público e parlamentar sobre a observância da legislação da Federação Russa sobre o combate à corrupção.
Porém, o ponto alto da lei são as medidas para melhorar a eficácia do combate à corrupção:
1) perseguir uma política de Estado unificada no campo do combate à corrupção;
2) criar um mecanismo de interação entre a aplicação da lei e outros órgãos do Estado com as comissões públicas e parlamentares de combate à corrupção, bem como com os cidadãos e instituições da sociedade civil;
3) adotar medidas legislativas, administrativas e outras destinadas a conscientizar funcionários estaduais e municipais, bem como cidadãos, para uma participação mais ativa no combate à corrupção, para cultivar uma atitude negativa em relação ao comportamento corrupto na sociedade;
4) aprimorar o sistema e a estrutura dos órgãos do Estado, criando mecanismos de controle público sobre suas atividades;
5) introduzir normas anticorrupção, ou seja, o estabelecimento de um sistema unificado de proibições, restrições e autorizações para a área de atividade em causa, garantindo a prevenção da corrupção nesta área;
6) unificar os direitos dos funcionários estaduais e municipais, pessoas que ocupam cargos públicos da Federação Russa, cargos públicos das entidades constituintes da Federação Russa, cargos de chefes de municípios, repartições municipais, bem como restrições, proibições e deveres estabelecidos para esses funcionários e pessoas;
7) garantir o acesso dos cidadãos às informações sobre as atividades dos órgãos federais do poder estadual, órgãos do poder estadual das entidades constituintes da Federação Russa e órgãos do governo autônomo local;
8) garantir a independência da mídia;
9) manter estrita observância dos princípios de independência dos juízes e não ingerência na atividade judiciária;
10) melhorar a organização das atividades dos órgãos reguladores e de aplicação da lei para combater a corrupção;
11) aprimorar o procedimento de repasse do atendimento estadual e municipal;
12) zelar pela honestidade, transparência, concorrência leal e objetividade na realização de pedidos de fornecimento de bens, execução de obras, prestação de serviços para necessidades estaduais ou municipais;
13) eliminar proibições e restrições injustificadas, especialmente no campo da atividade econômica;
14) aprimorar o procedimento de utilização de bens estaduais e municipais, recursos estaduais e municipais (inclusive na prestação de assistência estadual e municipal), bem como o procedimento de transferência de direitos de uso de tais bens e sua alienação;
15) aumentar o nível de remuneração e proteção social dos funcionários estaduais e municipais;
16) fortalecer a cooperação internacional e desenvolver formas eficazes de cooperação com agências de aplicação da lei e serviços especiais, com unidades de inteligência financeira e outras autoridades competentes de países estrangeiros e organizações internacionais no campo do combate à corrupção e rastreamento, confisco e repatriamento de bens obtidos por corrupção e localizados no exterior;
17) reforçar o controle da resolução dos problemas contidos nos recursos dos cidadãos e das pessoas jurídicas;
18) transferir parte das funções dos órgãos do Estado para organizações auto-regulamentadoras, bem como outras organizações não governamentais;
19) reduzir o número de funcionários estaduais e municipais com a atração simultânea de especialistas qualificados para o atendimento estadual e municipal;
20) aumentar a responsabilidade dos órgãos do governo federal, órgãos do governo das entidades constituintes da Federação Russa, órgãos do governo local e seus funcionários pela omissão de medidas para eliminar as causas da corrupção;
21) Otimizar e especificar as atribuições dos órgãos do Estado e de seus funcionários, o que deve ser refletido em regulamentos administrativos e oficiais.
Além da lei anticorrupção russa exigir a apresentação da renda auferida nos últimos três anos pelo candidato a servidor em determinados cargos públicos, incluindo as rendas de sua(seu) esposa(o) e filhos, ela também obriga todo e qualquer funcionário público a comunicar ao seu gestor, ao Ministério Público ou a outros órgãos do Estado todos os casos em que qualquer pessoa o contate para induzi-lo à prática de crimes de corrupção.
Outro ponto interessante da lei anticorrupção russa é sua cobertura de questões que envolvam conflitos de interesses. Ela começa definindo conflitos de interesses como as situações em que o interesse pessoal (direto ou indireto) do funcionário público afeta ou pode afetar o seu bom desempenho, potencializando uma contradição entre o interesse pessoal de funcionário público e os direitos e interesses legítimos dos cidadãos, das organizações, da sociedade ou do Estado, o que pode acarretar danos aos direitos e legítimos interesses dos cidadãos, organizações, sociedade ou Estado. Nesse caso, diante de um potencial conflito de interesse, o funcionário público é obrigado a imediatamente comunicá-lo por escrito a seu superior.
No que diz respeito à responsabilização de indivíduos por crimes de corrupção, os funcionários públicos podem ser demitidos e presos, ao passo que os corruptores podem ser igualmente presos.
Finalmente, uma medida muito interessante que foi adicionada à lei e que passou a vigorar em 19 de agosto de 2013 foi a proibição de funcionários públicos terem contas em bancos estrangeiros no exterior ou ativos em outros países. A proibição também estende-se a cônjuges de funcionários públicos e seus filhos menores e também a candidatos a cargos eletivos. Na época, foram identificados senadores russos com fortunas acumuladas alcançando US$ 750 milhões e diversos políticos foram “forçados” a encerrar suas carreiras políticas.