A normatização e o custeio dos tratamentos com células-tronco no Brasil

October 24, 2022

Recentemente, um juiz no Estado da Califórnia, nos Estados Unidos, proferiu uma decisão determinando que a Food and Drug Administration (a agência regulatória de alimentos e medicamentos nos EUA) não pode regular tratamentos com células-tronco como medicamento. Tal decisão gerou controvérsia por lá, pois há outras decisões que consideram terapias celulares, independentemente de sua natureza, como se medicamentos fossem.

No Brasil, a normatização a respeito do tratamento com células-tronco é recente, sendo reconhecida como um tipo de terapia avançada e regulamentada nas seguintes resoluções da Anvisa:

Resoluções da Anvisa

Ementas das Resoluções da Anvisa

Resolução RDC 505/2021 de 27.05.2021

Dispõe sobre o registro de produto de terapia avançada e dá outras providências.

Resolução RDC 506/2021

Dispõe sobre as regras para a realização de ensaios clínicos com produto de terapia avançada investigacional no Brasil, e dá outras providências.

Resolução RDC 508/2021

Dispõe sobre as Boas Práticas em Células Humanas para Uso Terapêutico e pesquisa clínica, e dá outras providências.

Com essa nova regulamentação, a Anvisa estabeleceu que as terapias avançadas passíveis de registro na agência regulatória brasileira são:

  1. os produtos de terapias celulares avançadas;
  2. os produtos de terapias gênicas; e
  3. os produtos de engenharia tecidual.

Essas terapias avançadas constituem-se em produtos biológicos obtidos a partir de células e tecidos humanos que foram submetidos a um processo de fabricação ou produtos consistidos a partir de ácidos nucleicos recombinantes, com o propósito de regular, reparar, substituir, adicionar ou deletar uma sequência genética ou modificar a expressão de um gene.

Portanto, é importante salientar que as células-tronco são uma das grandes promessas no tratamento de enfermidades complexas, especialmente aquelas sem quaisquer alternativas médicas existentes. Por outro lado, trata-se de um enorme desafio para as autoridades no que diz respeito ao estabelecimento de controles e boas práticas em um campo ainda tão desconhecido e cujos riscos jurídicos são ainda não mensurados, como a necessidade ou não do armazenamento de DNAs de indivíduos, a possibilidade de identificação precoce de enfermidades que sejam do conhecimento de terceiros sem correspondente autorização do indivíduo, potencial clonagem total ou parcial etc.

No que diz respeito ao custeio do tratamento com células-tronco, a situação é igualmente complexa, já que, como qualquer tratamento inovador, o seu custo inicial costuma ser muito alto, muito acima da capacidade financeira da maior parte da população, cabendo ao poder público, por força da Constituição Federal de 1988, viabilizar o acesso daqueles que precisam a tais tratamentos. O Art. 196 da Constituição estabelece, de forma genérica, que a saúde é um direito de todos e um dever do Estado. Entretanto, o desafio é equacionar o orçamento público destinado à saúde para cobrir todas as despesas a que ele se destina, com a necessidade de pagamento de tratamentos de alto custo, como esse.

Desafio similar irá enfrentar doravante o setor privado, ou seja, o setor de saúde suplementar, na medida em que a Lei 14.454 de 21/9/22 passou a considerar o rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) exemplificativo apenas, servindo como referência básica para planos privados de assistência à saúde contratados a partir de 1º de janeiro de 1999. Dessa forma, convém salientar que os tratamentos com células-tronco hematopóeticas já constam do rol da ANS desde 2021. Por outro lado, caso outros tratamentos com células-tronco não enquadrados nesse conceito sejam necessários, prevalece o entendimento de que a cobertura deverá ser autorizada pela operadora de planos de assistência à saúde, desde que (i) exista comprovação da eficácia, à luz das ciências da saúde, baseada em evidências científicas e plano terapêutico; ou (ii) existam recomendações pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), ou exista recomendação de, no mínimo, um órgão de avaliação de tecnologias em saúde que tenha renome internacional, desde que sejam aprovadas também para seus nacionais.

Não obstante, a questão para o setor de saúde suplementar é muito semelhante àquela enfrentada pelo setor público, no que diz respeito ao equacionamento dos custos diante da receita advinda dos preços cobrados aos respectivos segurados.

Mesmo diante das incertezas a respeito do acesso, dos riscos jurídicos e dos custos, abre-se uma nova janela de oportunidades para os enfermos que até então, não tinham mais qualquer opção terapêutica ou alento para a cura ou minimização do seu sofrimento.

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Recentemente, um juiz no Estado da Califórnia, nos Estados Unidos, proferiu uma decisão determinando que a Food and Drug Administration (a agência regulatória de alimentos e medicamentos nos EUA) não pode regular tratamentos com células-tronco como medicamento. Tal decisão gerou controvérsia por lá, pois há outras decisões que consideram terapias celulares, independentemente de sua natureza, como se medicamentos fossem.

No Brasil, a normatização a respeito do tratamento com células-tronco é recente, sendo reconhecida como um tipo de terapia avançada e regulamentada nas seguintes resoluções da Anvisa:

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Resolução RDC 505/2021 de 27.05.2021

Dispõe sobre o registro de produto de terapia avançada e dá outras providências.

Resolução RDC 506/2021

Dispõe sobre as regras para a realização de ensaios clínicos com produto de terapia avançada investigacional no Brasil, e dá outras providências.

Resolução RDC 508/2021

Dispõe sobre as Boas Práticas em Células Humanas para Uso Terapêutico e pesquisa clínica, e dá outras providências.

Com essa nova regulamentação, a Anvisa estabeleceu que as terapias avançadas passíveis de registro na agência regulatória brasileira são:

  1. os produtos de terapias celulares avançadas;
  2. os produtos de terapias gênicas; e
  3. os produtos de engenharia tecidual.

Essas terapias avançadas constituem-se em produtos biológicos obtidos a partir de células e tecidos humanos que foram submetidos a um processo de fabricação ou produtos consistidos a partir de ácidos nucleicos recombinantes, com o propósito de regular, reparar, substituir, adicionar ou deletar uma sequência genética ou modificar a expressão de um gene.

Portanto, é importante salientar que as células-tronco são uma das grandes promessas no tratamento de enfermidades complexas, especialmente aquelas sem quaisquer alternativas médicas existentes. Por outro lado, trata-se de um enorme desafio para as autoridades no que diz respeito ao estabelecimento de controles e boas práticas em um campo ainda tão desconhecido e cujos riscos jurídicos são ainda não mensurados, como a necessidade ou não do armazenamento de DNAs de indivíduos, a possibilidade de identificação precoce de enfermidades que sejam do conhecimento de terceiros sem correspondente autorização do indivíduo, potencial clonagem total ou parcial etc.

No que diz respeito ao custeio do tratamento com células-tronco, a situação é igualmente complexa, já que, como qualquer tratamento inovador, o seu custo inicial costuma ser muito alto, muito acima da capacidade financeira da maior parte da população, cabendo ao poder público, por força da Constituição Federal de 1988, viabilizar o acesso daqueles que precisam a tais tratamentos. O Art. 196 da Constituição estabelece, de forma genérica, que a saúde é um direito de todos e um dever do Estado. Entretanto, o desafio é equacionar o orçamento público destinado à saúde para cobrir todas as despesas a que ele se destina, com a necessidade de pagamento de tratamentos de alto custo, como esse.

Desafio similar irá enfrentar doravante o setor privado, ou seja, o setor de saúde suplementar, na medida em que a Lei 14.454 de 21/9/22 passou a considerar o rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) exemplificativo apenas, servindo como referência básica para planos privados de assistência à saúde contratados a partir de 1º de janeiro de 1999. Dessa forma, convém salientar que os tratamentos com células-tronco hematopóeticas já constam do rol da ANS desde 2021. Por outro lado, caso outros tratamentos com células-tronco não enquadrados nesse conceito sejam necessários, prevalece o entendimento de que a cobertura deverá ser autorizada pela operadora de planos de assistência à saúde, desde que (i) exista comprovação da eficácia, à luz das ciências da saúde, baseada em evidências científicas e plano terapêutico; ou (ii) existam recomendações pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), ou exista recomendação de, no mínimo, um órgão de avaliação de tecnologias em saúde que tenha renome internacional, desde que sejam aprovadas também para seus nacionais.

Não obstante, a questão para o setor de saúde suplementar é muito semelhante àquela enfrentada pelo setor público, no que diz respeito ao equacionamento dos custos diante da receita advinda dos preços cobrados aos respectivos segurados.

Mesmo diante das incertezas a respeito do acesso, dos riscos jurídicos e dos custos, abre-se uma nova janela de oportunidades para os enfermos que até então, não tinham mais qualquer opção terapêutica ou alento para a cura ou minimização do seu sofrimento.

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