Lidar com a morte nunca é fácil, especialmente se o falecimento se dá com alguém próximo, especialmente um familiar. Além disso, o luto e a dor pela perda de um ente querido, não deve obnubilar a obrigação algoz imposta pela lei sobre a abertura do inventário no prazo de 60 (sessenta) dias, sob pena de multa de 10% (dez por cento) sobre o valor do imposto e se o atraso exceder 180 (cento e oitenta) dias, a multa é agravada para 20% (vinte por cento). Além disso, o contribuinte falecido que pagou tributos durante toda a sua vida, ainda deve assistir, de onde estiver, ao dissabor de ter parte do seu conjunto de bens literalmente confiscado pelo poder público, sob o título de imposto de transmissão causa mortis e doação (ITCMD).
Hoje, 30 de janeiro de 2023, dia em que escrevi esse artigo, fui almoçar com um amigo, que já alcançou seus 76 anos bem vividos e que a vida corrida tratou de nos manter afastados, proporcionando nossos encontros quase que anuais somente. E durante o almoço, fui surpreendido por uma notícia, que a sociedade assiste nos telejornais com frequência, mas que dificilmente ocorre na sua ou na minha casa, com a sua ou a minha família. Para resumir a estória, esse amigo perdeu sua esposa e companheira, que foi golpeada por inúmeros golpes de faca desferidos por um sobrinho, devido a questões relativas à herança.
Indescritível tentar traduzir em palavras a dor que emanava do semblante desse amigo, para o qual a vida perdeu o sentido. Suas palavras de dor culminaram na afirmação de que bastou um segundo para a sua vida que refletia, até então, tudo o que foi planejado ao longo de anos com sua esposa, virar um pesadelo sem precedentes, dilapidando todos os seus planos de vida e a família que foi construída desde a sua juventude.
Assim como essa tragédia que se abateu sobre eles, volta e meia deparamo-nos com crimes que chocam a opinião pública de filhos contra pais, como, por exemplo, o Caso Richthofen, em que Suzane assassinou os próprios pais, com a ajuda dos irmãos Cravinhos. Apesar desse caso ser o mais emblemático, não tem sido incomum notícias de maridos assassinando esposas ou mesmo de esposas assassinando maridos, para receber seguros de vida.
Se eticamente falando, a questão não suscita maior dilema, já que tirar a vida de um ente querido em razão de seus bens, não se justifica sob quaisquer prismas, teorias ou princípios filosóficos, sob a ótica legal, muitos desconhecem o Art. 1.814 do Código Civil que prevê o seguinte:
Art. 1.814. São excluídos da sucessão os herdeiros ou legatários:
I – que houverem sido autores, co-autores ou partícipes de homicídio doloso, ou tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente;
II – que houverem acusado caluniosamente em juízo o autor da herança ou incorrerem em crime contra a sua honra, ou de seu cônjuge ou companheiro;
III – que, por violência ou meios fraudulentos, inibirem ou obstarem o autor da herança de dispor livremente de seus bens por ato de última vontade.
Complementando a informação, em 23 de agosto de 2023, foi sancionada a Lei 14.661/2023, que alterou o Código Civil adicionando o Artigo 1.815-A, com o seguinte texto:
Art. 1.815-A. Em qualquer dos casos de indignidade previstos no Art. 1.814, o trânsito em julgado da sentença penal condenatória acarretará a imediata exclusão do herdeiro ou legatário indigno, independentemente da sentença prevista no caput do Art. 1.815 deste Código.
É importante deixar claro que a perda do direito sucessório é pessoal, ou seja, o herdeiro indigno deixará de usufruir a herança, mas seu direito se transmite a seus descendentes e daí em diante, na sua linha sucessória.
Logo, é importante frisar que aquele que concorrer para o óbito do detentor dos bens ou seus herdeiros na linha direta, seja descendente ou ascendente, será considerado indigno não mais tendo qualquer direito à referida herança.
Todavia, resta não normatizado na lei se o atentado for contra um herdeiro colateral (ex: tio, sobrinho ou primo), quando as decisões do poder judiciário irão tergiversar sobre a indignidade ou não do herdeiro homicida. Essa questão carece de atenção pelo legislador, que não deve deixar qualquer brecha para aquele que não tem o mínimo respeito e apreço pela vida humana.