Um aspecto de suma importância na gestão de contratos é a teoria da imprevisão. Essa teoria pode impactar sobremaneira os direitos e obrigações de uma das partes, desequilibrando completamente os direitos e obrigações entre elas e até mesmo tornando o contrato leonino em detrimento de uma das partes.
A teoria da imprevisão é muito antiga, já podendo ser identificada no Código de Hamurabi, em 1772 a.C. Uma sentença da época referiu-se a um evento devastador que afetaria uma determinada colheita, desobrigando o devedor naquele episódio. Dessa forma, resta implícito que a teoria da imprevisão atribui ao juiz o poder de rever contratos particulares a pedido de uma das partes, quando fatos imprevisíveis afetarem inexoravelmente o equilíbrio contratual entre as partes.
Na verdade, a teoria da imprevisão sempre foi uma das exceções ao brocardo jurídico latino do pacta sunt servanda, que significa que os pactos devem ser observados, ou seja, que o contrato escrito e assinado deve ser cumprido. Na verdade, não apenas a teoria da imprevisão excepciona o pacta sunt servanda, mas cláusulas contratuais abusivas, nulas ou anuláveis também estão fora do dever de cumprimento por parte do signatário do contrato. Isso pois, logicamente, havendo conflito de exegese entre as partes, a questão deverá ser submetida a um árbitro ou ao crivo do poder judiciário.
Cláusula Rebus Sic Stantibus
O instrumento formal mais característico da teoria da imprevisão é a cláusula rebus sic stantibus, que Nelson Zunino Neto muito bem definiu em seu artigo no periódico digital Migalhas. O autor explica que a cláusula permite a revisão das condições do contrato de execução diferida ou sucessiva em casos de, em relação ao momento da celebração, mudança imprevista, razoavelmente imprevisível e inimputável aos contratantes nas circunstâncias em torno da execução do contrato, que causem desequilíbrio na relação das partes. Isso aufere vantagem em detrimento da excessiva onerosidade suportada pela outra parte.
Já o Professor Fábio Ulhoa Coelho define a cláusula rebus sic stantibus como sendo a presunção nos contratos comutativos de trato sucessivo e de execução diferida, da existência implícita de cláusula em que a obrigatoriedade do cumprimento do contrato pressupõe inalterabilidade da situação de fato. Quando ocorre uma modificação na situação de fato em razão de acontecimento extraordinário (imprevisível) que torne excessivamente oneroso para o devedor o seu adimplemento, poderá este requerer ao juiz a isenção da obrigação, parcial ou totalmente. Esta cláusula dá ensejo a Teoria da Imprevisão, que serve de argumento para uma revisão judicial do contrato. Um outro exemplo de acontecimento extraordinário e imprevisível seria a ocorrência de uma guerra.
Teorias da Imprevisão e da Onerosidade Excessiva no Código Civil de 2002
Eis que em 2002, houve a reformulação do código civil brasileiro, sendo a nova lei publicada sob o número 10.406/2002. Na ocasião, foram criados quatro dispositivos, sendo que o primeiro amparou a teoria da imprevisão e os outros três ampararam a teoria da onerosidade excessiva. A saber:
A seguir, encontram-se os outros 3 dispositivos que ampararam a teoria da onerosidade excessiva:
O primeiro dos artigos encontra-se no Livro I – Direitos das Obrigações, no Título III – Do Adimplemento e Extinção das Obrigações, no Capítulo III – Do Objeto do Pagamento e sua Prova. Já os três artigos citados acima encontram-se no Livro I – Direito das Obrigações, no Título V – Dos Contratos em Geral, no Capítulo II – Da Extinção do Contrato, na Seção IV – Da Resolução por Onerosidade Excessiva.
Doutrina e Jurisprudência
A melhor doutrina vigente no direito brasileiro atualmente preconiza que existe singela diferença entre a teoria da onerosidade excessiva e a teoria da imprevisão. Enquanto na teoria da onerosidade excessiva é dever da parte prejudicada demonstrar a desvantagem ocorrida, sem que decorra por sua culpa para então pedir a revisão ou mesmo a resolução do contrato, na teoria da imprevisão cabe à parte demonstrar que o excesso de onerosidade para uma das partes decorreu de fato superveniente, extraordinário e imprevisível. Isso nem sempre é de fácil comprovação nos autos do processo.
O texto reformado do código civil de 2002 não mais exige a cláusula rebus sic stantibus, para que a parte pudesse buscar a revisão ou a resolução do contrato em razão de sua obrigação se tornar excessivamente onerosa por fato imprevisível. Entretanto, decisões dos tribunais superiores incentivam que partes adotem a cláusula rebus sic stantibus em seus contratos, ainda que de forma implícita.
A criticidade com que os julgadores observam a questão do fato imprevisível pode ser demonstrada nos autos do Recurso Especial n.º 945.166, em trâmite no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Neste caso, um agricultor sustentou que, devido a mudanças climáticas e pragas, houve elevação dos preços da soja e dos insumos agrícolas. Todavia, o Ministro Luis Felipe Salomão, relator do recurso, em sua decisão em 2012, interpretou que a resolução contratual pela onerosidade excessiva exige a superveniência de evento extraordinário, impossível de antever pelas partes, não bastando alterações que se inserem nos riscos ordinários.
Ainda segundo o Ministro, a presença de ferrugem asiática na lavoura e as variações de preço não acarretam, em si, onerosidade excessiva, já que os imprevistos alegados são inerentes ao negócio. Além disso, o relator afirmou que as oscilações no preço da soja são presumíveis no momento da assinatura do contrato, visto que se trata de produto comercializado em bolsa de valores e sujeito às demandas de compra e venda internacional. Já quanto à ferrugem asiática, o relator entendeu que não é fato imprevisível, pois a doença já atingia as lavouras do Brasil desde 2001 e, segundo estudos da Embrapa, não havia como ser erradicada naquele momento, mas apenas mantida sob controle pelo agricultor.
Modelo de Cláusula Rebus Sic Stantibus
Finalmente, inclui-se abaixo um modelo de cláusula rebus sic stantibus, o qual pode ser utilizado em um contrato a ser assinado entre duas ou mais partes:
MODELO DE CLÁUSULA REBUS SIC STANTIBUS
1. Princípio Geral
As partes reconhecem que este contrato foi celebrado com base na situação de fato e de direito existente à época de sua celebração, e que as circunstâncias que ensejaram sua elaboração podem sofrer alterações significativas ao longo do tempo.
2.Pressupostos
Ambas as partes reconhecem que a manutenção do equilíbrio contratual está diretamente relacionada à permanência dos pressupostos essenciais que fundamentaram a sua celebração.
3. Alterações Subsequentes
Caso ocorram alterações extraordinárias e imprevisíveis nas circunstâncias econômicas, políticas, sociais ou legais que tornem excessivamente onerosa a execução deste contrato para uma das partes, comprometendo o equilíbrio contratual inicialmente estabelecido, ambas as partes se comprometem a renegociar de boa-fé os termos e condições deste contrato visando restaurar esse equilíbrio.
4. Mecanismos de Renegociação
As partes concordam em estabelecer mecanismos específicos para a renegociação, os quais poderão incluir, mas não se limitar a: a. Revisão de preços; b. Readequação de prazos; c. Modificação de cláusulas contratuais; d. Outros ajustes que se mostrem necessários para restaurar o equilíbrio contratual.
5. Boa-Fé
As partes comprometem-se a conduzir qualquer processo de renegociação de boa-fé, buscando soluções que sejam mutuamente satisfatórias e preservem os interesses legítimos de ambas as partes.
6. Limitações
Esta cláusula rebus sic stantibus não se aplicará a alterações decorrentes de fatos previsíveis, ordinários ou que estivessem razoavelmente contemplados pelas partes no momento da celebração deste contrato.
7. Vigência
Esta cláusula permanecerá em vigor durante toda a vigência deste contrato e poderá ser invocada pelas partes sempre que necessário para assegurar o equilíbrio contratual em face de circunstâncias imprevistas e extraordinárias.