Uma das grandes frustrações daqueles que trabalham em empresas onde existe uma sólida cultura de compliance é lidar com os limites impostos por suas políticas e procedimentos internos, diante da concorrência que, por vezes, se utiliza de processos duvidosos e claudicantes, que acarretam inúmeros conflitos de interesses, mas que podem se traduzir em aumento de vendas.
Um flagrante exemplo do conflito de interesses ocorre quando uma empresa do ramo de saúde presenteia um médico com algo de valor relevante, interferindo no seu juízo para prescrever o tratamento mais adequado para o seu paciente. Aqui é preciso salientar que, com o avanço da medicina e a pluralidade de empresas existentes no setor, não será rara a situação de um médico contar com cinco ou mais produtos com níveis de eficácia e perfis de segurança muito semelhantes, facilitando a sua tomada de decisão sem peso na consciência e estimulando a empresa que age daquela forma a incrementar tais ações.
Voltando à frustração daqueles que querem comercializar seus produtos sem incorrer em situações como a citada acima, mas que também gostariam que os demais assim o fizessem, torna-se ainda mais patente a inércia das autoridades em estabelecer limites e monitoramento para evitar especialmente situações em que tais conflitos de interesses se mostram perniciosos e, em algumas situações, até mesmo perigosos para a saúde de pacientes.
Diante da omissão do Estado em regulamentar esses limites, cada vez mais assumem papel relevante as associações setoriais que criam mecanismos importantes de autorregulação, por meio de códigos de conduta com dispositivos para garantir uma competição dentro de princípios éticos para seus associados.
Eis que sobreveio um exemplo muito interessante decorrente da adoção pela EFPIA – European Federation of Pharmaceutical Industries and Associations (Federação Europeia de Indústrias e Associações Farmacêuticas) de uma plataforma denominada E4ETHICS. Trata-se de uma ferramenta de avaliação de risco de eventos médicos, para garantir que os associados da EFPIA possam patrociná-los sem incorrer em riscos éticos de natureza diversa, como pagar por entretenimentos, pagar valores desproporcionais para patrocínios de eventos, beneficiar algum profissional de saúde indevidamente etc.
Desde setembro de 2021, tornou-se obrigatória a submissão do patrocínio de quaisquer eventos médicos a essa plataforma, que passou a avaliar tais eventos sob a ótica do código de conduta da EFPIA. Assim sendo, se uma empresa associada patrocinar, participar ou colaborar com um evento médico sem que o mesmo tenha sido submetido e aprovado na plataforma E4ETHICS, incorrerá em clara violação do Código de Conduta da EFPIA, estando sujeita às sanções previstas no referido documento.
A partir de então, a EFPIA começou a fomentar a divulgação ao setor de saúde em geral e a treinar seus associados por meio de webinars em novembro de 2021 e janeiro de 2022, além de outro evento ao vivo em março passado, quando houve uma extensa sessão de perguntas e respostas, atingindo o total de 1.550 participantes.
Assim, todos os associados acabam tendo visibilidade sobre a legitimidade ou não de patrocinar, participar ou colaborar com um evento médico, de forma preventiva. E, por outro lado, aqueles eventos médicos que insistirem em práticas abusivas não terão mais a complacência de empresas associadas à EFPIA, obrigando-os a se adequar para que possam receber os patrocínios para viabilizar a sua realização.
Trata-se de uma ideia inovadora, em que a Federação Europeia de Indústrias e Associações Farmacêuticas assume o papel omissivo dos Estados em estabelecer as regras adequadas para que a livre concorrência possa ocorrer, dentro de princípios éticos e não apenas legais.