Caso “Dungeons and Dragons” x “Dungeons and Drag Queens” e a Paródia em Matéria Marcária

September 9, 2024

Em um interessante caso que está em andamento perante o Escritório de Marcas dos Estados Unidos (USPTO, na sigla em inglês), a Wizards of the Coast LLC, titular dos direitos marcários vinculados ao conhecido RPG (Role Playing Game) chamado “Dungeons and Dragons”, ofereceu oposição a pedido de registro da marca “Dungeons and Drag Queens” em 9 de agosto de 2024. A empresa alega que há possibilidade de confusão, erro ou engano junto aos consumidores, bem como de diluição da marca “Dungeons and Dragons”1 e 2. Importante ressaltar que a marca “Dungeons and Drag Queens” é utilizada para identificar um show em que drag queens jogam justamente o jogo “Dungeons and Dragons”3, o que torna o caso interessante para discutir a paródia em questões marcárias.

Nos Estados Unidos, a paródia é protegida como “liberdade de expressão sob a Primeira Emenda”4. Porém, é necessário demonstrar que não há possibilidade de confusão ou qualquer relação com a marca objeto da paródia5. Cabe ressaltar inclusive que a Suprema Corte dos Estados Unidos, analisando o caso Jack Daniel’s Properties, Inc. v. VIP Products LLC, entendeu que a marca de paródia está sujeita à análise da possibilidade de confusão e que “A exclusão da responsabilidade por diluição [prevista] no Lanham Act para ‘[qualquer] uso não comercial de uma marca’, §1125(c)(3)(C), não protege a paródia, a crítica ou o comentário quando um suposto diluidor usa uma marca como designação de fonte para seus próprios produtos”6 e 7.

Já no Brasil, a Lei nº 9.610/1998 prevê a possibilidade do uso das paródias em seu art. 47 no contexto dos direitos autorais:

Art. 47. São livres as paráfrases e paródias que não forem verdadeiras reproduções da obra originária nem lhe implicarem descrédito [grifamos].

Por outro lado, não há previsão legal expressa a respeito da regulação de paródias no direito marcário. Ainda assim, entende-se como possível o uso de paródia pela interpretação conjunta dos arts. 130, III, e 132, IV, da Lei nº 9.279/19968, os quais estabelecem que:

Art. 130. Ao titular da marca ou ao depositante é ainda assegurado o direito de:

(...)

III – zelar pela sua integridade material ou reputação.

Art. 132. O titular da marca não poderá:

IV – impedir a citação da marca em discurso, obra científica ou literária ou qualquer outra publicação, desde que sem conotação comercial e sem prejuízo para seu caráter distintivo [grifamos].

No âmbito do Poder Judiciário, já foram examinados diversos casos de paródias de marcas9, dentre os quais destaca-se o conhecido julgado do Superior Tribunal de Justiça envolvendo, de um lado, a marca “Folha de São Paulo”, e de outro, o site “Falha de São Paulo”, em que este parodiava as matérias produzidas por aquela. Após a análise dos autos, foi firmado, por maioria, o entendimento de que não haveria conflito no caso em questão porque “as duas empresas envolvidas na demanda, apesar de possuírem nomes semelhantes, Falha e Folha de São Paulo, prestam serviços, em tudo, diversos”10, encontrando “a atividade exercida pela Falha, paródia, (...) regramento no direito de autor, mais específico e perfeitamente admitida no ordenamento jurídico pátrio, nos termos do direito de liberdade de expressão, tal como garantido pela Constituição da República”11.

No mesmo julgado, também foi considerado não restar configurada a concorrência desleal pois, “dentre as condutas que tipificam a concorrência desleal não está a conotação comercial, da qual a Falha fora acusada”12.

Em contrapartida, no que diz respeito à registrabilidade de marcas de paródia junto ao INPI, observa-se uma tendência ao indeferimento dos pedidos de registro com base nas hipóteses de irregistrabilidade expressas no art. 124 da Lei nº 9.279/1996 (como a possibilidade de confusão ou associação indevida com marca alheia ou violação de direitos autorais), bem como no eventual alto renome da marca objeto da paródia13 e 14. Foi o que ocorreu, por exemplo, no caso envolvendo o pedido de registro da marca “RED BURRO” para assinalar “bebida energética não alcoólica”, indeferido com base nos direitos sobre a marca “RED BULL”, tendo sido apontados como motivos do indeferimento os arts. 124, XIX, 125 e 126, da Lei nº 9279/1996, em razão da violação de direitos de marca anterior, marca de alto renome e notoriamente conhecida15. O mesmo ocorreu no caso referente ao pedido de registro da marca “New Kids On The Bloco” para assinalar serviços de banda de música, indeferida com base no art. 124, XVII, da Lei nº 9270/96, em razão da violação de direitos autorais da banda New Kids on the Block16.

O caso da marca “Dungeons and Drag Queens” ainda está em curso e seu titular tem até 18 de setembro para apresentar manifestação aos argumentos da Wizards of the Coast LLC.

Observa-se, portanto, que nos Estados Unidos o sistema de proteção aos direitos de propriedade intelectual é distinto daquele em vigor no Brasil, mas com uma problemática semelhante no caso de paródia de marcas, haja vista os limites e princípios da livre concorrência. O entendimento nacional é de que deve ser respeitada a liberdade de expressão, mas sem esquecer do respeito aos direitos dos titulares de direitos marcários, os quais podem zelar pela integridade e reputação de seus respectivos sinais distintivos. Logo, a licitude da paródia no contexto marcário dependerá da análise do caso concreto, que deverá levar em consideração a conotação comercial na qual a paródia está inserida, bem como seus efeitos ao titular da marca registrada, respeitando o princípio da livre concorrência, bem como combater o aproveitamento parasitário.

1 Disponível em: https://tsdr.uspto.gov/#caseNumber=98185733&caseSearchType=US_APPLICATION&caseType=DEFAULT&searchType=statusSearch. Acesso em: 06 set. 2024.

2 Disponível em: https://tsdr.uspto.gov/caseviewer/pdf?caseId=98185733&docIndex=1&searchprefix=sn#docIndex=1. Acesso em: 06 set. 2024.

3 Mandour & Associates. D&D Battles ‘Dungeons and Drag Queens’ Trademark, 14 ago. 2024. Disponível em: https://www.mandourlaw.com/dungeons-dragons-drag-queens-trademark/. Acesso em: 06 set. 2024.

4 Ibid.

5 Ibid.

6 Disponível em: https://www.supremecourt.gov/opinions/22pdf/22-148_3e04.pdf. Acesso em: 06 set. 2024.

7 Christeson, Laura E. In Jack Daniel’s v. Bad Spaniels Trademark Case, Supreme Court Holds Parody Products on a Short Leash, 12 jun. 2023. Disponível em: https://www.sullivanlaw.com/viewpoints/in-jack-daniels-v-bad-spaniels-trademark-case-supreme-court-holds-parody-products-on-a-short-leash. Acesso em: 06 set. 2024.

8 Instituto Dannemann Siemsen. Agenda IDS – A aplicação do conceito de paródia na área de marcas, 01 jun. 2023. Disponível em: https://ids.org.br/noticia/agenda-ids-a-aplicacao-do-conceito-de-parodia-na-area-de-marcas/. Acesso em: 06 set. 2024.

9 Ibid.

10 STJ; REsp 1548849 / SP; Relator (a): Ministro Marco Buzzi; Órgão Julgador: 4ª Turma; Data do Julgamento: 20 jun. 2017; Data de Publicação: 04 set. 2017.

11 Ibid.

12 Ibid.

13 Instituto Dannemann Siemsen, op. cit.

14 Tremura, Flavia, e Pietoso, Larissa. The good parody: limites entre paródias e marcas registradas, 28 abr. 2023. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2023-abr-28/tremurae-pietoso-limites-entre-parodias-marcas-registradas/#:~:text=A%20par%C3%B3dia%20%C3%A9%20um%20recurso,exemplo%20do%20caso%20em%20quest%C3%A3o.. Acesso em: 06 set. 2024.

15 INPI, pedido de registro de marca n° 904825132, referente à marca RED BURRO, NCL(10) 32, de titularidade de Luciano Francisco Reis.

16 INPI, pedido de registro de marca n° 905879660, referente à marca New Kids On The Bloco, NCL(10) 41, de titularidade de Luiz Henrique Magalhães Monteiro Costa.

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Em um interessante caso que está em andamento perante o Escritório de Marcas dos Estados Unidos (USPTO, na sigla em inglês), a Wizards of the Coast LLC, titular dos direitos marcários vinculados ao conhecido RPG (Role Playing Game) chamado “Dungeons and Dragons”, ofereceu oposição a pedido de registro da marca “Dungeons and Drag Queens” em 9 de agosto de 2024. A empresa alega que há possibilidade de confusão, erro ou engano junto aos consumidores, bem como de diluição da marca “Dungeons and Dragons”1 e 2. Importante ressaltar que a marca “Dungeons and Drag Queens” é utilizada para identificar um show em que drag queens jogam justamente o jogo “Dungeons and Dragons”3, o que torna o caso interessante para discutir a paródia em questões marcárias.

Nos Estados Unidos, a paródia é protegida como “liberdade de expressão sob a Primeira Emenda”4. Porém, é necessário demonstrar que não há possibilidade de confusão ou qualquer relação com a marca objeto da paródia5. Cabe ressaltar inclusive que a Suprema Corte dos Estados Unidos, analisando o caso Jack Daniel’s Properties, Inc. v. VIP Products LLC, entendeu que a marca de paródia está sujeita à análise da possibilidade de confusão e que “A exclusão da responsabilidade por diluição [prevista] no Lanham Act para ‘[qualquer] uso não comercial de uma marca’, §1125(c)(3)(C), não protege a paródia, a crítica ou o comentário quando um suposto diluidor usa uma marca como designação de fonte para seus próprios produtos”6 e 7.

Já no Brasil, a Lei nº 9.610/1998 prevê a possibilidade do uso das paródias em seu art. 47 no contexto dos direitos autorais:

Art. 47. São livres as paráfrases e paródias que não forem verdadeiras reproduções da obra originária nem lhe implicarem descrédito [grifamos].

Por outro lado, não há previsão legal expressa a respeito da regulação de paródias no direito marcário. Ainda assim, entende-se como possível o uso de paródia pela interpretação conjunta dos arts. 130, III, e 132, IV, da Lei nº 9.279/19968, os quais estabelecem que:

Art. 130. Ao titular da marca ou ao depositante é ainda assegurado o direito de:

(...)

III – zelar pela sua integridade material ou reputação.

Art. 132. O titular da marca não poderá:

IV – impedir a citação da marca em discurso, obra científica ou literária ou qualquer outra publicação, desde que sem conotação comercial e sem prejuízo para seu caráter distintivo [grifamos].

No âmbito do Poder Judiciário, já foram examinados diversos casos de paródias de marcas9, dentre os quais destaca-se o conhecido julgado do Superior Tribunal de Justiça envolvendo, de um lado, a marca “Folha de São Paulo”, e de outro, o site “Falha de São Paulo”, em que este parodiava as matérias produzidas por aquela. Após a análise dos autos, foi firmado, por maioria, o entendimento de que não haveria conflito no caso em questão porque “as duas empresas envolvidas na demanda, apesar de possuírem nomes semelhantes, Falha e Folha de São Paulo, prestam serviços, em tudo, diversos”10, encontrando “a atividade exercida pela Falha, paródia, (...) regramento no direito de autor, mais específico e perfeitamente admitida no ordenamento jurídico pátrio, nos termos do direito de liberdade de expressão, tal como garantido pela Constituição da República”11.

No mesmo julgado, também foi considerado não restar configurada a concorrência desleal pois, “dentre as condutas que tipificam a concorrência desleal não está a conotação comercial, da qual a Falha fora acusada”12.

Em contrapartida, no que diz respeito à registrabilidade de marcas de paródia junto ao INPI, observa-se uma tendência ao indeferimento dos pedidos de registro com base nas hipóteses de irregistrabilidade expressas no art. 124 da Lei nº 9.279/1996 (como a possibilidade de confusão ou associação indevida com marca alheia ou violação de direitos autorais), bem como no eventual alto renome da marca objeto da paródia13 e 14. Foi o que ocorreu, por exemplo, no caso envolvendo o pedido de registro da marca “RED BURRO” para assinalar “bebida energética não alcoólica”, indeferido com base nos direitos sobre a marca “RED BULL”, tendo sido apontados como motivos do indeferimento os arts. 124, XIX, 125 e 126, da Lei nº 9279/1996, em razão da violação de direitos de marca anterior, marca de alto renome e notoriamente conhecida15. O mesmo ocorreu no caso referente ao pedido de registro da marca “New Kids On The Bloco” para assinalar serviços de banda de música, indeferida com base no art. 124, XVII, da Lei nº 9270/96, em razão da violação de direitos autorais da banda New Kids on the Block16.

O caso da marca “Dungeons and Drag Queens” ainda está em curso e seu titular tem até 18 de setembro para apresentar manifestação aos argumentos da Wizards of the Coast LLC.

Observa-se, portanto, que nos Estados Unidos o sistema de proteção aos direitos de propriedade intelectual é distinto daquele em vigor no Brasil, mas com uma problemática semelhante no caso de paródia de marcas, haja vista os limites e princípios da livre concorrência. O entendimento nacional é de que deve ser respeitada a liberdade de expressão, mas sem esquecer do respeito aos direitos dos titulares de direitos marcários, os quais podem zelar pela integridade e reputação de seus respectivos sinais distintivos. Logo, a licitude da paródia no contexto marcário dependerá da análise do caso concreto, que deverá levar em consideração a conotação comercial na qual a paródia está inserida, bem como seus efeitos ao titular da marca registrada, respeitando o princípio da livre concorrência, bem como combater o aproveitamento parasitário.

1 Disponível em: https://tsdr.uspto.gov/#caseNumber=98185733&caseSearchType=US_APPLICATION&caseType=DEFAULT&searchType=statusSearch. Acesso em: 06 set. 2024.

2 Disponível em: https://tsdr.uspto.gov/caseviewer/pdf?caseId=98185733&docIndex=1&searchprefix=sn#docIndex=1. Acesso em: 06 set. 2024.

3 Mandour & Associates. D&D Battles ‘Dungeons and Drag Queens’ Trademark, 14 ago. 2024. Disponível em: https://www.mandourlaw.com/dungeons-dragons-drag-queens-trademark/. Acesso em: 06 set. 2024.

4 Ibid.

5 Ibid.

6 Disponível em: https://www.supremecourt.gov/opinions/22pdf/22-148_3e04.pdf. Acesso em: 06 set. 2024.

7 Christeson, Laura E. In Jack Daniel’s v. Bad Spaniels Trademark Case, Supreme Court Holds Parody Products on a Short Leash, 12 jun. 2023. Disponível em: https://www.sullivanlaw.com/viewpoints/in-jack-daniels-v-bad-spaniels-trademark-case-supreme-court-holds-parody-products-on-a-short-leash. Acesso em: 06 set. 2024.

8 Instituto Dannemann Siemsen. Agenda IDS – A aplicação do conceito de paródia na área de marcas, 01 jun. 2023. Disponível em: https://ids.org.br/noticia/agenda-ids-a-aplicacao-do-conceito-de-parodia-na-area-de-marcas/. Acesso em: 06 set. 2024.

9 Ibid.

10 STJ; REsp 1548849 / SP; Relator (a): Ministro Marco Buzzi; Órgão Julgador: 4ª Turma; Data do Julgamento: 20 jun. 2017; Data de Publicação: 04 set. 2017.

11 Ibid.

12 Ibid.

13 Instituto Dannemann Siemsen, op. cit.

14 Tremura, Flavia, e Pietoso, Larissa. The good parody: limites entre paródias e marcas registradas, 28 abr. 2023. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2023-abr-28/tremurae-pietoso-limites-entre-parodias-marcas-registradas/#:~:text=A%20par%C3%B3dia%20%C3%A9%20um%20recurso,exemplo%20do%20caso%20em%20quest%C3%A3o.. Acesso em: 06 set. 2024.

15 INPI, pedido de registro de marca n° 904825132, referente à marca RED BURRO, NCL(10) 32, de titularidade de Luciano Francisco Reis.

16 INPI, pedido de registro de marca n° 905879660, referente à marca New Kids On The Bloco, NCL(10) 41, de titularidade de Luiz Henrique Magalhães Monteiro Costa.

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