Quando se fala em investigar corrupção no Brasil, invariavelmente são envolvidas a autoridade policial, a Corregedoria Geral da União (CGU), o Ministério Público e até mesmo Ouvidorias e Corregedorias de diversos entes públicos.
É evidente que a autoridade policial, assim como os demais órgãos citados acima, possui diversas técnicas de investigação e de interrogatório. Porém, surge o questionamento a respeito de quais são as melhores práticas a serem seguidas na condução de uma investigação acerca de um potencial caso de corrupção. O fato é que a corrupção é um crime consensual, que ocorre geralmente sem testemunhas, sendo raramente documentada e, portanto, nem sempre é fácil desvendar o conluio.
Por outro lado, o emprego crescente da tecnologia, acabou migrando a atenção do investigador, que passou a ter um foco muito maior no ambiente lógico (digital), que no ambiente físico (em papel). Dessa forma, e-mails e mensagens de texto estão sempre no radar principal de qualquer investigador.
A Conferência de Investigadores Internacionais ocorrida em 2003 e referendada pelo United Nations Office on Drugs and Crime (UNODC), estabeleceu dez diretrizes consideradas essenciais para qualquer atividade de investigação, especialmente tendo como propósito a apuração de suborno ou corrupção. São elas:
1. A atividade investigativa deve incluir a coleta e análise de documentos e outros materiais; a revisão de ativos e premissas da organização; inquirição de testemunhas; observações dos investigadores; e a oportunidade de os indivíduos responderem às acusações.
2. A atividade investigativa e as decisões críticas devem ser documentadas regularmente com os gerentes do investigador.
3. A atividade investigativa deve exigir o exame de todas as provas, tanto favoráveis quanto desfavoráveis.
4. As provas, incluindo testemunhos comprobatórios e provas forenses e documentais, devem ser sujeitas a validação. Na medida do possível, as entrevistas devem ser conduzidas por dois investigadores.
5. As provas documentais devem ser identificadas e arquivadas, com a denominação de origem do documento, local e data, e nome do investigador depositante.
6. As provas susceptíveis de serem utilizadas em audiências judiciais ou administrativas devem ser asseguradas e a prisão preventiva mantida.
7. As atividades investigativas do investigador não devem ser inconsistentes com as regras e regulamentos da organização e com a devida consideração das leis aplicáveis do Estado onde tais atividades ocorrem.
8. O investigador pode utilizar informantes e outras fontes de informação e pode assumir a responsabilidade por despesas razoáveis incorridas por tais informantes ou fontes.
9. As entrevistas devem ser realizadas na língua da pessoa a ser entrevistada, utilizando intérpretes independentes, salvo acordo em contrário.
10. O investigador pode buscar aconselhamento sobre as normas legais, culturais e éticas relacionadas a uma investigação.
As diretrizes acima são muito claras e se fielmente seguidas, com efeito, tornarão a investigação bastante confiável e eficiente, além de garantir robustez às provas coligidas.
Não há como combater corrupção sem uma sinergia de esforços entre autoridades policiais, Ministério Público, Controladoria Geral da União, Ouvidores e Corregedores, além do poder judiciário.
Em referência às aulas iniciais do direito administrativo, os estudantes aprendem que são elementos do ato administrativo: (i) motivo, (ii) objeto, (iii) forma, (iv) competência e (v) finalidade. Sem pretender enveredar por qualquer viés político, recentemente o país assistiu à desconstrução de uma das maiores ações conjuntas contra a corrupção no Brasil, em razão da arguição de incompetência por parte das autoridades que estariam apurando os ilícitos de suborno ou corrupção. A controvérsia acerca da competência, nesse caso, continua sendo subjetiva e sujeita à interpretação da autoridade que estiver julgando o caso enquanto não existirem regras claras, seja na forma de código processual, seja na forma de regimentos.
Outra questão que merece discussão aprofundada é o momento de arguir-se a competência. Já existem instrumentos no direito brasileiro como a preclusão. Portanto, indaga-se por que não determinar o momento para a arguição da competência, a partir do qual não haveria mais o que se contestar a respeito.
Aqueles que atuam no combate ao suborno e a corrupção conhecem o seu maior inimigo: a impunidade. Além disso, os operadores de programas de compliance também conhecem uma máxima importante: ser e parecer! Portanto, impunidade ou a percepção da impunidade pode ser equiparada ao oxigênio necessário para alimentar um grande incêndio.
Por um outro lado, o melhor aliado daqueles que combatem a corrupção é o delator, conhecido em inglês como whistleblower ou soprador de apito. Ao transformar em lei o pacote anticrime engendrado pelo ex-ministro Sérgio Moro, o direito brasileiro incorporou a proteção e a premiação ao delator que traz ao conhecimento das autoridades um ato de corrupção. Todavia, a sociedade o desconhece, as diferentes esferas do poder público o ignoram, e tal dispositivo acabou se transformando em mais uma norma desconhecida. Isso é lamentável, pois o Estado não tem recursos humanos ou financeiros suficientes para identificar atos de corrupção, ao passo que o delator geralmente se encontra dentro da instituição, seja pública ou privada, onde o caso está ocorrendo.
Analisando outra boa prática trazida pelas Nações Unidas, não há como não fazer referência ao Handbook on Practical Anti-Corruption Measures for Prosecutors and Investigators, o qual promove a identificação de quatro respostas fundamentais à corrupção:
1. processos criminais ou administrativos, levando a possíveis prisões, multas, ordens de restituição ou outras punições;
2. ações disciplinares de natureza administrativa, que levem a possíveis medidas trabalhistas, como demissão ou rebaixamento;
3. instaurar ou incentivar processos cíveis em que os diretamente afetados (ou o Estado) busquem recuperar o produto da corrupção ou peçam indenização civil; e
4. ações corretivas, como a reciclagem de indivíduos ou a reestruturação de operações de forma a reduzir ou eliminar oportunidades de corrupção (mas sem necessariamente buscar disciplinar os envolvidos).
Apesar deste artigo estar voltado às investigações externas, feitas por autoridades diversas, as quais acabam tendo que agir em sinergia para lograr eficiência no combate à corrupção, não se deve menosprezar a capacidade de algumas organizações do setor privado, e até mesmo do setor público, em empreender investigações internas eficientes com o propósito de identificar atos, tentados ou consumados, de suborno ou corrupção.
Por fim, este artigo não poderia terminar sem a referência a um texto antológico do The Guardian, assinado por Rachel Banning Lover, a respeito de maneiras inteligentes de se usar a tecnologia em favor do combate à corrupção, com exemplos espetaculares: