Em maio de 2021, o Estado do Arkansas, nos Estados Unidos publicou a lei HB1709, proibindo os fabricantes de oferecer descontos em qualquer produto contendo insulina, à exceção daquele fornecido diretamente ao usuário final na forma de um cupom de desconto do fabricante farmacêutico, que é capturado por meio do serviço de transmissão on-line do Conselho Nacional de Programas de Medicamentos Prescritos.
Tal fato reacendeu a polêmica dos descontos, inclusive aqui no Brasil.
Os descontos podem ser concedidos de várias formas: na venda ao setor atacadista, mediante cupons, nas vendas ao consumidor pelo varejo etc.
Abaixo, vejamos os principais desafios na concessão de descontos:
1.1. DESCONTOS COMERCIAIS AGRESSIVOS
No Brasil, o preço dos medicamentos é regulado pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED), um órgão interministerial. Em regra, é concedido reajuste para o preço dos medicamentos uma vez por ano, no início de abril.
Uma forma encontrada por algumas indústrias farmacêuticas para incrementar suas vendas é conceder descontos comerciais agressivos e, assim, aumentar seu market share. Todavia, descontos comerciais agressivos levantam uma bandeira vermelha junto à CMED, pois, se a empresa pode conceder tal desconto, indaga-se o porquê do seu preço estar registrado em patamar tão elevado.
Além disso, se tais descontos reduzirem o preço final do produto abaixo do preço de custo, resta configurada a infração à ordem econômica.
1.2. DESCONTOS A DISTRIBUIDORES
Descontos a distribuidores trazem sempre três preocupações: (i) a possibilidade de tais descontos serem utilizados por distribuidores, em conluio ou não com a empresa, para atos relacionados a suborno, corrupção e fraude à licitação e (ii) a possibilidade de violação da livre concorrência, caso a diferenciação dos descontos concedido a diferentes distribuidores não tenha como fundamento um critério predefinido, como uma política comercial, por exemplo, e (iii) a possibilidade de infração à ordem econômica, caso os descontos reduzam o valor do produto abaixo do preço de custo.
1.3. DESCONTOS POR MEIO DE CUPONS OU CARTÕES
Outra forma utilizada pela indústria farmacêutica para conceder descontos buscando a fidelização de pacientes é por meio de cupons ou cartões que são, em regra, distribuídos a profissionais de saúde, a fim de que esses possam repassá-los a pacientes.
A utilização de cupons ou cartões de descontos traz a preocupação da interferência inadequada no juízo de valor do médico em prescrever o melhor tratamento para o seu paciente. Em um país onde acesso a medicamentos é um grande desafio, especialmente em razão do poder de compra dos brasileiros, o argumento dos cupons acaba se tornando uma forma inexorável de fidelizar o médico a prescrever determinado medicamento.
Diante da questão, associações como a Interfarma já proibiram tal prática em seu código de conduta: “As empresas não deverão promover quaisquer mecanismos que induzam o médico a fornecer cupons ou cartões de descontos para a aquisição de medicamentos pelos pacientes, assim como preencher qualquer espécie de cadastro, formulário, ficha, cartão de informações ou documentos assemelhados em função das promoções mencionadas.“
1.4. DESCONTOS CONCEDIDOS POR FARMÁCIAS A CONSUMIDORES
Com respeito aos descontos concedidos por farmácias a consumidores, existem dois potenciais problemas que podem se transformar em uma grande dor de cabeça, se não houver o correto enquadramento legal.
Primeiramente, nos deparamos com a nova lei de proteção de dados. Como a maior parte das farmácias que concede descontos requer dados pessoais do consumidor e, por vezes, utilizam esses dados a seu bel prazer, tal prática pode se transformar em um pesadelo para o varejo, como já tem ocorrido com a aplicação de algumas penalidades – por enquanto, ainda na esfera judicial ou no âmbito do direito consumerista. Porém, com a vigência das penalidades da LGPD desde 1º de agosto de 2021, é preciso haver o correto enquadramento do tratamento de dados pessoais segundo a nova lei, para que tal prática se perpetue, ou ainda, que se deixe de coletar tais dados.
Além disso, tais descontos podem trazer à lume as operações logísticas que são acordadas entre as indústrias farmacêuticas e as grandes redes de farmácias. Novamente, sem um critério predefinido, tais operações logísticas podem significar uma violação à livre concorrência ou ainda caracterizar uma infração à ordem econômica, seja por resultar em preço de venda inferior ao de custo, seja pela interferência indevida da indústria impondo o repasse de descontos ao comércio varejista.