Um dos principais motivos para se buscar um advogado, ao deparar-se com um contrato que irá gerar direitos e obrigações para as partes, é a busca pelo melhor conselho para evitar diversas armadilhas, dentre elas, as temidas cláusulas abusivas, que podem acarretar inúmeros transtornos a uma das partes contratantes.
Definição de Cláusula Abusiva
Mas o que seria uma cláusula abusiva?
Cláusula abusiva é um dispositivo contratual que coloca uma das partes em desvantagem excessiva ou desproporcional, contrariando os princípios de boa-fé, equidade e equilíbrio contratual.
É importante salientar que cláusulas abusivas são mais frequentemente observadas em contratos de adesão — uma espécie de contrato celebrado entre duas partes, em que os direitos, deveres e condições são estabelecidos pelo proponente, sem que o aderente possa discutir ou modificar seu conteúdo ou que possa exercer esse poder apenas de forma bastante limitada — e nas relações de consumo, onde uma das partes, geralmente o consumidor, tem menos poder de negociação.
Para uma cláusula ser considerada abusiva, ela deve:
- Contrariar os princípios de boa-fé e equilíbrio nas relações contratuais.
- Impor desvantagem exagerada a uma das partes, especialmente ao consumidor.
- Restringir direitos fundamentais, como a renúncia a garantias legais ou a imposição de condições desproporcionais.
• Quem determina se uma Cláusula é Abusiva
A identificação de uma cláusula abusiva não é automática e depende de uma análise conjunta do contexto do contrato, das condições de negociação e das partes envolvidas.
Quem pode determinar que uma cláusula é abusiva:
- O Juiz: Na hipótese de litígio, cabe ao juiz analisar o contrato e decidir se uma cláusula é abusiva, com base na legislação vigente e nos princípios gerais do direito, como, por exemplo, a boa-fé objetiva e o equilíbrio contratual. Ao declarar a nulidade da cláusula abusiva, o juiz deve manter as demais disposições do contrato válidas, sempre que possível.
- A Parte Contratante: Embora o juiz seja a autoridade final para declarar uma cláusula abusiva, a parte lesada (geralmente o consumidor) pode identificar uma cláusula potencialmente abusiva e requerer sua revisão ou anulação, seja por meio de uma reclamação direta ao fornecedor ou pela via judicial. É bem verdade que as partes contratantes podem também, antes de ser instaurado um conflito judicial, negociar a remoção ou modificação de cláusulas abusivas.
- Órgãos de Defesa do Consumidor: Entidades como o PROCON (Programa de Proteção e Defesa do Consumidor) ou a Secretaria Nacional do Consumidor (SENACON) também podem identificar cláusulas abusivas em contratos de adesão e intervir para proteger os direitos dos consumidores, podendo aplicar sanções administrativas aos fornecedores de bens ou serviços que utilizem tais cláusulas.
Porém, caso haja divergência de entendimentos, o juiz acaba sendo quem tem a competência para julgar e declarar uma cláusula como abusiva em um processo judicial.
Fundamento Legal para a Caracterização e o Combate de Cláusulas Abusivas na Relação de Consumo
A fundamentação legal para a identificação e anulação de cláusulas abusivas no Brasil está principalmente no Código de Defesa do Consumidor (CDC), Lei nº 8.078/1990.
As principais disposições para auxiliar no combate das cláusulas abusivas encontram-se nos artigos 6º, 39, 46 e 47 do CDC, conforme exposto abaixo:
Por outro lado, o Art. 51 do CDC enumera os tipos de cláusulas que seriam consideradas abusivas:
Fundamento Legal para o Combate às Cláusulas Abusivas em Contratos em Geral
Embora as cláusulas abusivas sejam inicialmente associadas às relações de consumo (mesmo porque o Código de Defesa do Consumidor é a única lei brasileira que traz um rol de cláusulas abusivas, assim nominadas, conforme a descrição acima), existem outros contratos de naturezas diversas que apresentam cláusulas excessivamente desproporcionais, podendo ser consideradas leoninas, já que ferem o equilíbrio contratual entre as partes contratantes.
A Lei 10.406/2022, mais conhecida como o Código Civil brasileiro, aborda o tema das cláusulas abusivas e o equilíbrio contratual em diversos artigos, os quais podem ser aplicados a contratos em geral, incluindo aqueles que não envolvem a relação de consumo ou mesmo consumidores, mas relações civis ou comerciais, envolvendo pessoas naturais ou pessoas jurídicas. Os seguintes artigos devem ser minuciosamente observados por aqueles responsáveis pela análise de um instrumento contratual:
Fundamento Legal para o Combate às Cláusulas Abusivas na Livre Concorrência
Outra fonte de suma importância para o combate às cláusulas abusivas, especialmente em contratos cuja natureza impacta a livre concorrência, é o Art. 36 da Lei 12.529/2013, também conhecida como Lei Antitruste, que define como infrações de ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados:
1. limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa;
2. dominar mercado relevante de bens ou serviços;
3. aumentar arbitrariamente os lucros; e
4. exercer de forma abusiva posição dominante.
Além disso, o referido dispositivo legal elenca as condutas que caracterizam infração à ordem econômica, deixando claro que se alguma outra conduta caracterizar uma das condições acima descritas, também será considerada infração à ordem econômica:
1. acordar, combinar, manipular ou ajustar com concorrente, sob qualquer forma:
a) os preços de bens ou serviços ofertados individualmente;
b) a produção ou a comercialização de uma quantidade restrita ou limitada de bens ou a prestação de um número, volume ou frequência restrita ou limitada de serviços;
c) a divisão de partes ou segmentos de um mercado atual ou potencial de bens ou serviços, mediante, dentre outros, a distribuição de clientes, fornecedores, regiões ou períodos;
d) preços, condições, vantagens ou abstenção em licitação pública;
2. promover, obter ou influenciar a adoção de conduta comercial uniforme ou concertada entre concorrentes;
3. limitar ou impedir o acesso de novas empresas ao mercado;
4. criar dificuldades à constituição, ao funcionamento ou ao desenvolvimento de empresa concorrente ou de fornecedor, adquirente ou financiador de bens ou serviços;
5. impedir o acesso de concorrente às fontes de insumo, matérias-primas, equipamentos ou tecnologia, bem como aos canais de distribuição;
6. exigir ou conceder exclusividade para divulgação de publicidade nos meios de comunicação de massa;
7. utilizar meios enganosos para provocar a oscilação de preços de terceiros;
8. regular mercados de bens ou serviços, estabelecendo acordos para limitar ou controlar a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico, a produção de bens ou prestação de serviços, ou para dificultar investimentos destinados à produção de bens ou serviços ou à sua distribuição;
9. impor, no comércio de bens ou serviços, a distribuidores, varejistas e representantes preços de revenda, descontos, condições de pagamento, quantidades mínimas ou máximas, margem de lucro ou quaisquer outras condições de comercialização relativos a negócios destes com terceiros;
10. discriminar adquirentes ou fornecedores de bens ou serviços por meio da fixação diferenciada de preços, ou de condições operacionais de venda ou prestação de serviços;
11. recusar a venda de bens ou a prestação de serviços, dentro das condições de pagamento normais aos usos e costumes comerciais;
12. dificultar ou romper a continuidade ou desenvolvimento de relações comerciais de prazo indeterminado em razão de recusa da outra parte em submeter-se a cláusulas e condições comerciais injustificáveis ou anticoncorrenciais;
13. destruir, inutilizar ou açambarcar matérias-primas, produtos intermediários ou acabados, assim como destruir, inutilizar ou dificultar a operação de equipamentos destinados a produzi-los, distribuí-los ou transportá-los;
14. açambarcar ou impedir a exploração de direitos de propriedade industrial ou intelectual ou de tecnologia;
15. vender mercadoria ou prestar serviços injustificadamente abaixo do preço de custo;
16. reter bens de produção ou de consumo, exceto para garantir a cobertura dos custos de produção;
17. cessar parcial ou totalmente as atividades da empresa sem justa causa comprovada;
18. subordinar a venda de um bem à aquisição de outro ou à utilização de um serviço, ou subordinar a prestação de um serviço à utilização de outro ou à aquisição de um bem; e
19. exercer ou explorar abusivamente direitos de propriedade industrial, intelectual, tecnologia ou marca.
O que fazer ao se deparar com Cláusulas Abusivas?
Ao se deparar com cláusulas abusivas, é recomendável que a parte contratante adote as seguintes medidas:
1. Buscar uma solução amigável com a outra parte contratante, já levando uma sugestão de modificação da referida cláusula, de forma a buscar o equilíbrio contratual;
2. Não havendo êxito no primeiro passo e sendo uma relação de consumo, é recomendável que sejam buscadas as entidades de proteção e defesa do consumidor;
3. Não havendo êxito no segundo passo ou não sendo uma relação de consumo, é recomendável que a parte prejudicada busque a defesa dos seus direitos junto ao poder judiciário, de forma que a referida cláusula abusiva possa ser declarada nula pelo juiz.
É importante lembrar que, sendo a cláusula abusiva declarada nula, o restante do contrato, em regra, permanece em pleno vigor; salvo se a referida cláusula for essencial para a sua natureza.