Entenda as cláusulas abusivas nos contratos

September 30, 2024

Um dos principais motivos para se buscar um advogado, ao deparar-se com um contrato que irá gerar direitos e obrigações para as partes, é a busca pelo melhor conselho para evitar diversas armadilhas, dentre elas, as temidas cláusulas abusivas, que podem acarretar inúmeros transtornos a uma das partes contratantes.

Definição de Cláusula Abusiva

Mas o que seria uma cláusula abusiva?

Cláusula abusiva é um dispositivo contratual que coloca uma das partes em desvantagem excessiva ou desproporcional, contrariando os princípios de boa-fé, equidade e equilíbrio contratual.

É importante salientar que cláusulas abusivas são mais frequentemente observadas em  contratos de adesão — uma espécie de contrato celebrado entre duas partes, em que os direitos, deveres e condições são estabelecidos pelo proponente, sem que o aderente possa discutir ou modificar seu conteúdo ou que possa exercer esse poder apenas de forma bastante limitada — e nas relações de consumo, onde uma das partes, geralmente o consumidor, tem menos poder de negociação.

Para uma cláusula ser considerada abusiva, ela deve:

  1. Contrariar os princípios de boa-fé e equilíbrio nas relações contratuais.
  2. Impor desvantagem exagerada a uma das partes, especialmente ao consumidor.
  3. Restringir direitos fundamentais, como a renúncia a garantias legais ou a imposição de condições desproporcionais.

• Quem determina se uma Cláusula é Abusiva

A identificação de uma cláusula abusiva não é automática e depende de uma análise conjunta do contexto do contrato, das condições de negociação e das partes envolvidas.

Quem pode determinar que uma cláusula é abusiva:

  1. O Juiz: Na hipótese de litígio, cabe ao juiz analisar o contrato e decidir se uma cláusula é abusiva, com base na legislação vigente e nos princípios gerais do direito, como, por exemplo, a boa-fé objetiva e o equilíbrio contratual. Ao declarar a nulidade da cláusula abusiva, o juiz deve manter as demais disposições do contrato válidas, sempre que possível.
  2. A Parte Contratante: Embora o juiz seja a autoridade final para declarar uma cláusula abusiva, a parte lesada (geralmente o consumidor) pode identificar uma cláusula potencialmente abusiva e requerer sua revisão ou anulação, seja por meio de uma reclamação direta ao fornecedor ou pela via judicial. É bem verdade que as partes contratantes podem também, antes de ser instaurado um conflito judicial, negociar a remoção ou modificação de cláusulas abusivas.
  3. Órgãos de Defesa do Consumidor: Entidades como o PROCON (Programa de Proteção e Defesa do Consumidor) ou a Secretaria Nacional do Consumidor (SENACON) também podem identificar cláusulas abusivas em contratos de adesão e intervir para proteger os direitos dos consumidores, podendo aplicar sanções administrativas aos fornecedores de bens ou serviços que utilizem tais cláusulas.

Porém, caso haja divergência de entendimentos, o juiz acaba sendo quem tem a competência para julgar e declarar uma cláusula como abusiva em um processo judicial.

Fundamento Legal para a Caracterização e o Combate de Cláusulas Abusivas na Relação de Consumo

A fundamentação legal para a identificação e anulação de cláusulas abusivas no Brasil está principalmente no Código de Defesa do Consumidor (CDC), Lei nº 8.078/1990.

As principais disposições para auxiliar no combate das cláusulas abusivas encontram-se nos artigos 6º, 39, 46 e 47 do CDC, conforme exposto abaixo:

Artigo

Descrição

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

I – a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos;

II – a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações;

III – a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;

IV – a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços;

V – a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas;

VI – a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos;

VII – o acesso aos órgãos judiciários e administrativos com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção Jurídica, administrativa e técnica aos necessitados;

VIII – a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;

IX – (Vetado);

X – a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral;

XI – a garantia de práticas de crédito responsável, de educação financeira e de prevenção e tratamento de situações de superendividamento, preservado o mínimo existencial, nos termos da regulamentação, por meio da revisão e da repactuação da dívida, entre outras medidas;

XII – a preservação do mínimo existencial, nos termos da regulamentação, na repactuação de dívidas e na concessão de crédito;

XIII – a informação acerca dos preços dos produtos por unidade de medida, tal como por quilo, por litro, por metro ou por outra unidade, conforme o caso.

39

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:

I – condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos;

II – recusar atendimento às demandas dos consumidores, na exata medida de suas disponibilidades de estoque, e, ainda, de conformidade com os usos e costumes;

III – enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço;

IV – prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços;

V – exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva;

VI – executar serviços sem a prévia elaboração de orçamento e autorização expressa do consumidor, ressalvadas as decorrentes de práticas anteriores entre as partes;

VII – repassar informação depreciativa, referente a ato praticado pelo consumidor no exercício de seus direitos;

VIII – colocar, no mercado de consumo, qualquer produto ou serviço em desacordo com as normas expedidas pelos órgãos oficiais competentes ou, se normas específicas não existirem, pela Associação Brasileira de Normas Técnicas ou outra entidade credenciada pelo Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Conmetro);

IX – recusar a venda de bens ou a prestação de serviços, diretamente a quem se disponha a adquiri-los mediante pronto pagamento, ressalvados os casos de intermediação regulados em leis especiais;

X – elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços;

XI – Dispositivo incluído pela MPV nº 1.890-67, de 22.10.1999 , transformado em inciso XIII, quando da conversão na Lei nº 9.870, de 23.11.1999 ;

XII – deixar de estipular prazo para o cumprimento de sua obrigação ou deixar a fixação de seu termo inicial a seu exclusivo critério;

XIII – aplicar fórmula ou índice de reajuste diverso do legal ou contratualmente estabelecido;

XIV – permitir o ingresso em estabelecimentos comerciais ou de serviços de um número maior de consumidores que o fixado pela autoridade administrativa como máximo.

46

Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance.

47

As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor.

Por outro lado, o Art. 51 do CDC enumera os tipos de cláusulas que seriam consideradas abusivas:

Artigo

Descrição

51

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

I – impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis;

II – subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga, nos casos previstos neste código;

III – transfiram responsabilidades a terceiros;

IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade;

V – (Vetado);

VI – estabeleçam inversão do ônus da prova em prejuízo do consumidor;

VII – determinem a utilização compulsória de arbitragem;

VIII – imponham representante para concluir ou realizar outro negócio jurídico pelo consumidor;

IX – deixem ao fornecedor a opção de concluir ou não o contrato, embora obrigando o consumidor;

X – permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de maneira unilateral;

XI – autorizem o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente, sem que igual direito seja conferido ao consumidor;

XII – obriguem o consumidor a ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação, sem que igual direito lhe seja conferido contra o fornecedor;

XIII – autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato, após sua celebração;

XIV – infrinjam ou possibilitem a violação de normas ambientais;

XV – estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor;

XVI – possibilitem a renúncia do direito de indenização por benfeitorias necessárias.

XVII – condicionem ou limitem de qualquer forma o acesso aos órgãos do Poder Judiciário;

XVIII – estabeleçam prazos de carência em caso de impontualidade das prestações mensais ou impeçam o restabelecimento integral dos direitos do consumidor e de seus meios de pagamento a partir da purgação da mora ou do acordo com os credores;

XIX – (VETADO).

Fundamento Legal para o Combate às Cláusulas Abusivas em Contratos em Geral

Embora as cláusulas abusivas sejam inicialmente associadas às relações de consumo (mesmo porque o Código de Defesa do Consumidor é a única lei brasileira que traz um rol de cláusulas abusivas, assim nominadas, conforme a descrição acima), existem outros contratos de naturezas diversas que apresentam cláusulas excessivamente desproporcionais, podendo ser consideradas leoninas, já que ferem o equilíbrio contratual entre as partes contratantes.

A Lei 10.406/2022, mais conhecida como o Código Civil brasileiro, aborda o tema das cláusulas abusivas e o equilíbrio contratual em diversos artigos, os quais podem ser aplicados a contratos em geral, incluindo aqueles que não envolvem a relação de consumo ou mesmo consumidores, mas relações civis ou comerciais, envolvendo pessoas naturais ou pessoas jurídicas. Os seguintes artigos devem ser minuciosamente observados por aqueles responsáveis pela análise de um instrumento contratual:

Artigo

Descrição

187

Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

421

A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato.

421-A

Os contratos civis e empresariais presumem-se paritários e simétricos até a presença de elementos concretos que justifiquem o afastamento dessa presunção, ressalvados os regimes jurídicos previstos em leis especiais, garantido também que:

I – as partes negociantes poderão estabelecer parâmetros objetivos para a interpretação das cláusulas negociais e de seus pressupostos de revisão ou de resolução;

II – a alocação de riscos definida pelas partes deve ser respeitada e observada; e

III – a revisão contratual somente ocorrerá de maneira excepcional e limitada.

422

Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.

423

Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente.

424

Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio.

478

Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.

Fundamento Legal para o Combate às Cláusulas Abusivas na Livre Concorrência

Outra fonte de suma importância para o combate às cláusulas abusivas, especialmente em contratos cuja natureza impacta a livre concorrência, é o Art. 36 da Lei 12.529/2013, também conhecida como Lei Antitruste, que define como infrações de ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados:

1. limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa;

2. dominar mercado relevante de bens ou serviços;

3. aumentar arbitrariamente os lucros; e

4. exercer de forma abusiva posição dominante.

Além disso, o referido dispositivo legal elenca as condutas que caracterizam infração à ordem econômica, deixando claro que se alguma outra conduta caracterizar uma das condições acima descritas, também será considerada infração à ordem econômica:

1. acordar, combinar, manipular ou ajustar com concorrente, sob qualquer forma:

a) os preços de bens ou serviços ofertados individualmente;

b) a produção ou a comercialização de uma quantidade restrita ou limitada de bens ou a prestação de um número, volume ou frequência restrita ou limitada de serviços;

c) a divisão de partes ou segmentos de um mercado atual ou potencial de bens ou serviços, mediante, dentre outros, a distribuição de clientes, fornecedores, regiões ou períodos;

d) preços, condições, vantagens ou abstenção em licitação pública;

2. promover, obter ou influenciar a adoção de conduta comercial uniforme ou concertada entre concorrentes;

3. limitar ou impedir o acesso de novas empresas ao mercado;

4. criar dificuldades à constituição, ao funcionamento ou ao desenvolvimento de empresa concorrente ou de fornecedor, adquirente ou financiador de bens ou serviços;

5. impedir o acesso de concorrente às fontes de insumo, matérias-primas, equipamentos ou tecnologia, bem como aos canais de distribuição;

6. exigir ou conceder exclusividade para divulgação de publicidade nos meios de comunicação de massa;

7. utilizar meios enganosos para provocar a oscilação de preços de terceiros;

8. regular mercados de bens ou serviços, estabelecendo acordos para limitar ou controlar a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico, a produção de bens ou prestação de serviços, ou para dificultar investimentos destinados à produção de bens ou serviços ou à sua distribuição;

9. impor, no comércio de bens ou serviços, a distribuidores, varejistas e representantes preços de revenda, descontos, condições de pagamento, quantidades mínimas ou máximas, margem de lucro ou quaisquer outras condições de comercialização relativos a negócios destes com terceiros;

10. discriminar adquirentes ou fornecedores de bens ou serviços por meio da fixação diferenciada de preços, ou de condições operacionais de venda ou prestação de serviços;

11. recusar a venda de bens ou a prestação de serviços, dentro das condições de pagamento normais aos usos e costumes comerciais;

12. dificultar ou romper a continuidade ou desenvolvimento de relações comerciais de prazo indeterminado em razão de recusa da outra parte em submeter-se a cláusulas e condições comerciais injustificáveis ou anticoncorrenciais;

13. destruir, inutilizar ou açambarcar matérias-primas, produtos intermediários ou acabados, assim como destruir, inutilizar ou dificultar a operação de equipamentos destinados a produzi-los, distribuí-los ou transportá-los;

14. açambarcar ou impedir a exploração de direitos de propriedade industrial ou intelectual ou de tecnologia;

15. vender mercadoria ou prestar serviços injustificadamente abaixo do preço de custo;

16. reter bens de produção ou de consumo, exceto para garantir a cobertura dos custos de produção;

17. cessar parcial ou totalmente as atividades da empresa sem justa causa comprovada;  

18. subordinar a venda de um bem à aquisição de outro ou à utilização de um serviço, ou subordinar a prestação de um serviço à utilização de outro ou à aquisição de um bem; e

19. exercer ou explorar abusivamente direitos de propriedade industrial, intelectual, tecnologia ou marca.

O que fazer ao se deparar com Cláusulas Abusivas?

Ao se deparar com cláusulas abusivas, é recomendável que a parte contratante adote as seguintes medidas:

1. Buscar uma solução amigável com a outra parte contratante, já levando uma sugestão de modificação da referida cláusula, de forma a buscar o equilíbrio contratual;

2. Não havendo êxito no primeiro passo e sendo uma relação de consumo, é recomendável que sejam buscadas as entidades de proteção e defesa do consumidor;

3. Não havendo êxito no segundo passo ou não sendo uma relação de consumo, é recomendável que a parte prejudicada busque a defesa dos seus direitos junto ao poder judiciário, de forma que a referida cláusula abusiva possa ser declarada nula pelo juiz.

É importante lembrar que, sendo a cláusula abusiva declarada nula, o restante do contrato, em regra, permanece em pleno vigor; salvo se a referida cláusula for essencial para a sua natureza.

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Entenda as cláusulas abusivas nos contratos

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Um dos principais motivos para se buscar um advogado, ao deparar-se com um contrato que irá gerar direitos e obrigações para as partes, é a busca pelo melhor conselho para evitar diversas armadilhas, dentre elas, as temidas cláusulas abusivas, que podem acarretar inúmeros transtornos a uma das partes contratantes.

Definição de Cláusula Abusiva

Mas o que seria uma cláusula abusiva?

Cláusula abusiva é um dispositivo contratual que coloca uma das partes em desvantagem excessiva ou desproporcional, contrariando os princípios de boa-fé, equidade e equilíbrio contratual.

É importante salientar que cláusulas abusivas são mais frequentemente observadas em  contratos de adesão — uma espécie de contrato celebrado entre duas partes, em que os direitos, deveres e condições são estabelecidos pelo proponente, sem que o aderente possa discutir ou modificar seu conteúdo ou que possa exercer esse poder apenas de forma bastante limitada — e nas relações de consumo, onde uma das partes, geralmente o consumidor, tem menos poder de negociação.

Para uma cláusula ser considerada abusiva, ela deve:

  1. Contrariar os princípios de boa-fé e equilíbrio nas relações contratuais.
  2. Impor desvantagem exagerada a uma das partes, especialmente ao consumidor.
  3. Restringir direitos fundamentais, como a renúncia a garantias legais ou a imposição de condições desproporcionais.

• Quem determina se uma Cláusula é Abusiva

A identificação de uma cláusula abusiva não é automática e depende de uma análise conjunta do contexto do contrato, das condições de negociação e das partes envolvidas.

Quem pode determinar que uma cláusula é abusiva:

  1. O Juiz: Na hipótese de litígio, cabe ao juiz analisar o contrato e decidir se uma cláusula é abusiva, com base na legislação vigente e nos princípios gerais do direito, como, por exemplo, a boa-fé objetiva e o equilíbrio contratual. Ao declarar a nulidade da cláusula abusiva, o juiz deve manter as demais disposições do contrato válidas, sempre que possível.
  2. A Parte Contratante: Embora o juiz seja a autoridade final para declarar uma cláusula abusiva, a parte lesada (geralmente o consumidor) pode identificar uma cláusula potencialmente abusiva e requerer sua revisão ou anulação, seja por meio de uma reclamação direta ao fornecedor ou pela via judicial. É bem verdade que as partes contratantes podem também, antes de ser instaurado um conflito judicial, negociar a remoção ou modificação de cláusulas abusivas.
  3. Órgãos de Defesa do Consumidor: Entidades como o PROCON (Programa de Proteção e Defesa do Consumidor) ou a Secretaria Nacional do Consumidor (SENACON) também podem identificar cláusulas abusivas em contratos de adesão e intervir para proteger os direitos dos consumidores, podendo aplicar sanções administrativas aos fornecedores de bens ou serviços que utilizem tais cláusulas.

Porém, caso haja divergência de entendimentos, o juiz acaba sendo quem tem a competência para julgar e declarar uma cláusula como abusiva em um processo judicial.

Fundamento Legal para a Caracterização e o Combate de Cláusulas Abusivas na Relação de Consumo

A fundamentação legal para a identificação e anulação de cláusulas abusivas no Brasil está principalmente no Código de Defesa do Consumidor (CDC), Lei nº 8.078/1990.

As principais disposições para auxiliar no combate das cláusulas abusivas encontram-se nos artigos 6º, 39, 46 e 47 do CDC, conforme exposto abaixo:

Artigo

Descrição

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

I – a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos;

II – a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações;

III – a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;

IV – a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços;

V – a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas;

VI – a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos;

VII – o acesso aos órgãos judiciários e administrativos com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção Jurídica, administrativa e técnica aos necessitados;

VIII – a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;

IX – (Vetado);

X – a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral;

XI – a garantia de práticas de crédito responsável, de educação financeira e de prevenção e tratamento de situações de superendividamento, preservado o mínimo existencial, nos termos da regulamentação, por meio da revisão e da repactuação da dívida, entre outras medidas;

XII – a preservação do mínimo existencial, nos termos da regulamentação, na repactuação de dívidas e na concessão de crédito;

XIII – a informação acerca dos preços dos produtos por unidade de medida, tal como por quilo, por litro, por metro ou por outra unidade, conforme o caso.

39

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:

I – condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos;

II – recusar atendimento às demandas dos consumidores, na exata medida de suas disponibilidades de estoque, e, ainda, de conformidade com os usos e costumes;

III – enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço;

IV – prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços;

V – exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva;

VI – executar serviços sem a prévia elaboração de orçamento e autorização expressa do consumidor, ressalvadas as decorrentes de práticas anteriores entre as partes;

VII – repassar informação depreciativa, referente a ato praticado pelo consumidor no exercício de seus direitos;

VIII – colocar, no mercado de consumo, qualquer produto ou serviço em desacordo com as normas expedidas pelos órgãos oficiais competentes ou, se normas específicas não existirem, pela Associação Brasileira de Normas Técnicas ou outra entidade credenciada pelo Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Conmetro);

IX – recusar a venda de bens ou a prestação de serviços, diretamente a quem se disponha a adquiri-los mediante pronto pagamento, ressalvados os casos de intermediação regulados em leis especiais;

X – elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços;

XI – Dispositivo incluído pela MPV nº 1.890-67, de 22.10.1999 , transformado em inciso XIII, quando da conversão na Lei nº 9.870, de 23.11.1999 ;

XII – deixar de estipular prazo para o cumprimento de sua obrigação ou deixar a fixação de seu termo inicial a seu exclusivo critério;

XIII – aplicar fórmula ou índice de reajuste diverso do legal ou contratualmente estabelecido;

XIV – permitir o ingresso em estabelecimentos comerciais ou de serviços de um número maior de consumidores que o fixado pela autoridade administrativa como máximo.

46

Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance.

47

As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor.

Por outro lado, o Art. 51 do CDC enumera os tipos de cláusulas que seriam consideradas abusivas:

Artigo

Descrição

51

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

I – impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis;

II – subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga, nos casos previstos neste código;

III – transfiram responsabilidades a terceiros;

IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade;

V – (Vetado);

VI – estabeleçam inversão do ônus da prova em prejuízo do consumidor;

VII – determinem a utilização compulsória de arbitragem;

VIII – imponham representante para concluir ou realizar outro negócio jurídico pelo consumidor;

IX – deixem ao fornecedor a opção de concluir ou não o contrato, embora obrigando o consumidor;

X – permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de maneira unilateral;

XI – autorizem o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente, sem que igual direito seja conferido ao consumidor;

XII – obriguem o consumidor a ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação, sem que igual direito lhe seja conferido contra o fornecedor;

XIII – autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato, após sua celebração;

XIV – infrinjam ou possibilitem a violação de normas ambientais;

XV – estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor;

XVI – possibilitem a renúncia do direito de indenização por benfeitorias necessárias.

XVII – condicionem ou limitem de qualquer forma o acesso aos órgãos do Poder Judiciário;

XVIII – estabeleçam prazos de carência em caso de impontualidade das prestações mensais ou impeçam o restabelecimento integral dos direitos do consumidor e de seus meios de pagamento a partir da purgação da mora ou do acordo com os credores;

XIX – (VETADO).

Fundamento Legal para o Combate às Cláusulas Abusivas em Contratos em Geral

Embora as cláusulas abusivas sejam inicialmente associadas às relações de consumo (mesmo porque o Código de Defesa do Consumidor é a única lei brasileira que traz um rol de cláusulas abusivas, assim nominadas, conforme a descrição acima), existem outros contratos de naturezas diversas que apresentam cláusulas excessivamente desproporcionais, podendo ser consideradas leoninas, já que ferem o equilíbrio contratual entre as partes contratantes.

A Lei 10.406/2022, mais conhecida como o Código Civil brasileiro, aborda o tema das cláusulas abusivas e o equilíbrio contratual em diversos artigos, os quais podem ser aplicados a contratos em geral, incluindo aqueles que não envolvem a relação de consumo ou mesmo consumidores, mas relações civis ou comerciais, envolvendo pessoas naturais ou pessoas jurídicas. Os seguintes artigos devem ser minuciosamente observados por aqueles responsáveis pela análise de um instrumento contratual:

Artigo

Descrição

187

Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

421

A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato.

421-A

Os contratos civis e empresariais presumem-se paritários e simétricos até a presença de elementos concretos que justifiquem o afastamento dessa presunção, ressalvados os regimes jurídicos previstos em leis especiais, garantido também que:

I – as partes negociantes poderão estabelecer parâmetros objetivos para a interpretação das cláusulas negociais e de seus pressupostos de revisão ou de resolução;

II – a alocação de riscos definida pelas partes deve ser respeitada e observada; e

III – a revisão contratual somente ocorrerá de maneira excepcional e limitada.

422

Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.

423

Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente.

424

Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio.

478

Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.

Fundamento Legal para o Combate às Cláusulas Abusivas na Livre Concorrência

Outra fonte de suma importância para o combate às cláusulas abusivas, especialmente em contratos cuja natureza impacta a livre concorrência, é o Art. 36 da Lei 12.529/2013, também conhecida como Lei Antitruste, que define como infrações de ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados:

1. limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa;

2. dominar mercado relevante de bens ou serviços;

3. aumentar arbitrariamente os lucros; e

4. exercer de forma abusiva posição dominante.

Além disso, o referido dispositivo legal elenca as condutas que caracterizam infração à ordem econômica, deixando claro que se alguma outra conduta caracterizar uma das condições acima descritas, também será considerada infração à ordem econômica:

1. acordar, combinar, manipular ou ajustar com concorrente, sob qualquer forma:

a) os preços de bens ou serviços ofertados individualmente;

b) a produção ou a comercialização de uma quantidade restrita ou limitada de bens ou a prestação de um número, volume ou frequência restrita ou limitada de serviços;

c) a divisão de partes ou segmentos de um mercado atual ou potencial de bens ou serviços, mediante, dentre outros, a distribuição de clientes, fornecedores, regiões ou períodos;

d) preços, condições, vantagens ou abstenção em licitação pública;

2. promover, obter ou influenciar a adoção de conduta comercial uniforme ou concertada entre concorrentes;

3. limitar ou impedir o acesso de novas empresas ao mercado;

4. criar dificuldades à constituição, ao funcionamento ou ao desenvolvimento de empresa concorrente ou de fornecedor, adquirente ou financiador de bens ou serviços;

5. impedir o acesso de concorrente às fontes de insumo, matérias-primas, equipamentos ou tecnologia, bem como aos canais de distribuição;

6. exigir ou conceder exclusividade para divulgação de publicidade nos meios de comunicação de massa;

7. utilizar meios enganosos para provocar a oscilação de preços de terceiros;

8. regular mercados de bens ou serviços, estabelecendo acordos para limitar ou controlar a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico, a produção de bens ou prestação de serviços, ou para dificultar investimentos destinados à produção de bens ou serviços ou à sua distribuição;

9. impor, no comércio de bens ou serviços, a distribuidores, varejistas e representantes preços de revenda, descontos, condições de pagamento, quantidades mínimas ou máximas, margem de lucro ou quaisquer outras condições de comercialização relativos a negócios destes com terceiros;

10. discriminar adquirentes ou fornecedores de bens ou serviços por meio da fixação diferenciada de preços, ou de condições operacionais de venda ou prestação de serviços;

11. recusar a venda de bens ou a prestação de serviços, dentro das condições de pagamento normais aos usos e costumes comerciais;

12. dificultar ou romper a continuidade ou desenvolvimento de relações comerciais de prazo indeterminado em razão de recusa da outra parte em submeter-se a cláusulas e condições comerciais injustificáveis ou anticoncorrenciais;

13. destruir, inutilizar ou açambarcar matérias-primas, produtos intermediários ou acabados, assim como destruir, inutilizar ou dificultar a operação de equipamentos destinados a produzi-los, distribuí-los ou transportá-los;

14. açambarcar ou impedir a exploração de direitos de propriedade industrial ou intelectual ou de tecnologia;

15. vender mercadoria ou prestar serviços injustificadamente abaixo do preço de custo;

16. reter bens de produção ou de consumo, exceto para garantir a cobertura dos custos de produção;

17. cessar parcial ou totalmente as atividades da empresa sem justa causa comprovada;  

18. subordinar a venda de um bem à aquisição de outro ou à utilização de um serviço, ou subordinar a prestação de um serviço à utilização de outro ou à aquisição de um bem; e

19. exercer ou explorar abusivamente direitos de propriedade industrial, intelectual, tecnologia ou marca.

O que fazer ao se deparar com Cláusulas Abusivas?

Ao se deparar com cláusulas abusivas, é recomendável que a parte contratante adote as seguintes medidas:

1. Buscar uma solução amigável com a outra parte contratante, já levando uma sugestão de modificação da referida cláusula, de forma a buscar o equilíbrio contratual;

2. Não havendo êxito no primeiro passo e sendo uma relação de consumo, é recomendável que sejam buscadas as entidades de proteção e defesa do consumidor;

3. Não havendo êxito no segundo passo ou não sendo uma relação de consumo, é recomendável que a parte prejudicada busque a defesa dos seus direitos junto ao poder judiciário, de forma que a referida cláusula abusiva possa ser declarada nula pelo juiz.

É importante lembrar que, sendo a cláusula abusiva declarada nula, o restante do contrato, em regra, permanece em pleno vigor; salvo se a referida cláusula for essencial para a sua natureza.

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