O caso Língua de Gato: expressão marcária ou sinônimo de produto?

August 19, 2024

Nas últimas semanas, a notícia acerca da perda da exclusividade da marca Língua de Gato ocasionou um grande burburinho e muitas dúvidas sobre o assunto aos amantes do chocolate. Afinal, será que a Kopenhagen perdeu os seus direitos sobre a marca “Língua de gato”?

A empresa Allshow Empreendimentos e Participações Ltda, uma das controladoras da Cacau Show, ingressou com uma ação judicial para discutir a validade da concessão pelo INPI dos registros da empresa Nibs Paticipações Ltda., do grupo Kopenhagen, para a marca nominativa “Língua de Gato”, processos nº 906413966 e 906413478, concedidos em 2016, os quais identificam chocolates e produtos do ramo alimentício.

Na ação, a Allshow alegou que a expressão Língua de Gato constituiria tradução literal do termo alemão Katzenzungen e que teria sido originalmente utilizada em 1892 pela chocolateria austríaca Küfferle, hoje pertencente à Lindt & Sprüngli. Segundo a Allshow, a expressão “língua de gato” é utilizada ao redor do mundo para fazer alusão aos chocolates comercializados em formato que se assemelha à aparência de uma língua de gato.

Para comprovar esse cenário, a empresa demonstrou que diversos fabricantes nacionais e estrangeiros possuem os chocolates língua de gato em seus portfólios, e utilizam essa expressão em diferentes idiomas para distinguir o formato dos chocolates comercializados.

Assim, como forma de explorar essa categoria de produto, em 2018, a Cacau Show sinalizou que lançaria o produto “Panettone Miau”, cuja descrição era a de um “panettone clássico com chocolate ao leite em formato língua de gato”. A estratégia de mercado da empresa seria interpretada pela concorrente Kopenhagen como uma tentativa de aproveitamento parasitário de sua marca, o que motivou a Allshow a pleitear, judicialmente, a nulidade dos registros das marcas da concorrente.

A Allshow argumentou que os direitos sobre a expressão Língua de Gato não poderiam ser concedidos de forma exclusiva a um único titular, na medida em que teria o cunho de identificar o chocolate comercializado em um formato específico, que seria prática comum no mercado de chocolates e produtos relacionados. A empresa também relatou que a concorrente estaria utilizando seus registros nominativos da marca Língua de Gato para se insurgir contra qualquer concorrente que utilizasse a expressão com caráter descritivo em seus produtos, provocando um monopólio indevido.

Em defesa, a Nibs alegou que comercializa no Brasil sua tradicional linha de chocolates Língua de Gato desde 1940, destacando que o termo não seria de uso comum no Brasil e que o seu caráter genérico em outros países não ensejaria a mesma condição em território nacional. A empresa argumentou que a exploração da expressão por concorrentes denotaria uma intenção parasitária, na medida em estariam buscando associar os seus produtos aos chocolates da Kopenhagen.

Como forma de refutar as alegações da concorrente, a Nibs sustentou que se a lógica da autora fosse coerente e a marca Língua de Gato fosse meramente descritiva acerca do formato dos produtos e de uso comum no mercado nacional, as expressões “Batom” (Garoto) ou “Diamante Negro” (Lacta) também poderiam ser utilizadas livremente por quaisquer competidores, desde que identificassem chocolates em formato de batom ou de diamantes negros.

Após analisar o caso, no dia primeiro de julho, a Juíza Lauda Bastos Carvalho, da 12ª Vara da Justiça Federal do Rio de Janeiro, publicou sua sentença, asseverando que “ficou comprovado que a expressão ‘língua de gato’ é de uso comum para designar chocolates em formato oblongo e achatado”.

Segundo a magistrada, o cenário de utilização da expressão Língua de Gato por concorrentes não caracterizaria um aproveitamento parasitário, tendo em vista que a expressão faz direta relação ao formato dos produtos, não sendo utilizada como elemento marcário.

Para sustentar seu entendimento, a juíza reforçou que “ficou comprovado que, antes de 2016, além do próprio grupo econômico da ré, pelo menos outros cinco concorrentes usavam a expressão ‘língua de gato’ para designar seus produtos de chocolate em formato oblongo e achatado, incluindo-se um dos maiores varejistas do Brasil1.

Logo, levando em consideração que na data do deferimento dos registros discutidos a expressão já era utilizada por pelo menos outras cinco empresas concorrentes para designar chocolates e produtos relacionados, a magistrada considerou que a expressão já era de uso comum no segmento de chocolates anos antes do exame dos pedidos de registro das marcas nominativas da Kopenhagen em 2016.

A juíza também reconheceu que a Nibs vem se utilizando do registro nominativo para se insurgir contra a utilização da expressão Língua de Gato por outras empresas do mesmo ramo como elemento descritivo, conduta esta que considerou anticoncorrencial.

No Brasil, pela Lei de Propriedade Industrial, ao titular do registro é assegurado o direito de uso exclusivo de sua marca em território nacional, bem como o direito de se insurgir contra terceiros. A Lei traz também as hipóteses para proibição de registro, estando, entre elas, o registro de sinais de caráter genérico e comum em relação ao produto ou serviço que visa distinguir.

O Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI é o órgão responsável pela análise de distintividade de um sinal marcário e por conferir direito de uso exclusivo ao titular, presumindo-se que ele seja capaz de distinguir o produto assinalado diante aos dos concorrentes. Entretanto, podem ocorrer casos em que o Examinador não consiga identificar eventual caráter de uso comum de uma expressão e um pedido de registro de marca seja indevidamente concedido, assim como, em outros casos, pode-se concluir erroneamente pelo caráter genérico, necessário ou comum de uma marca que, na verdade, seria dotada de distintividade. Nesses casos, a ação judicial de nulidade é um excelente recurso para discutir os assuntos em que a titular ou terceiros interessados entendam que ocorreu algum tipo de falha na decisão na esfera administrativa.

Nessa perspectiva, a sentença concluiu pela nulidade de um dos registros da marca nominativa Língua de Gato, nº 906413478, que garantia à Kopenhagen a exclusividade do termo para chocolates e produtos afins. Por outro lado, foi mantido o registro nº 906413966 para a mesma expressão nominativa, na medida em que assinala produtos não relacionados a chocolates e doces, havendo distintividade da expressão para os itens alimentares reivindicados por esse registro.

À vista disso, pelo presente desfecho judicial, tem-se que, a princípio, a Kopenhagen perdeu sua exclusividade sobre a expressão Língua de Gato, de forma isolada, para seus produtos de chocolate nesse formato característico, devendo resignar-se a conviver com empresas concorrentes se utilizando livremente do termo em caráter descritivo em suas mercadorias.

Nesse ponto, cumpre enfatizar que a Nibs ainda detém outros registros de marcas que contém o termo Língua de Gato acompanhado de outros elementos nominativos e/ou de um conjunto visual distintivo (logotipo).

A despeito da conclusão da ação judicial em primeiro grau, o embate acerca do assunto não parece ter chegado ao fim. Em nota, a Kopenhagen informou que, até que todo o processo esteja concluído, mantém seu direito exclusivo à expressão em disputa, se reservando ao direito de lutar judicialmente pela reforma da recente decisão.

1Informação disponível em: <https://www.estadao.com.br/economia/cacau-show-vence-kopenhagem-disputa-nome-lingua-de-gato-nprei/>. Acesso em: 06 de julho de 2024.

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A empresa Allshow Empreendimentos e Participações Ltda, uma das controladoras da Cacau Show, ingressou com uma ação judicial para discutir a validade da concessão pelo INPI dos registros da empresa Nibs Paticipações Ltda., do grupo Kopenhagen, para a marca nominativa “Língua de Gato”, processos nº 906413966 e 906413478, concedidos em 2016, os quais identificam chocolates e produtos do ramo alimentício.

Na ação, a Allshow alegou que a expressão Língua de Gato constituiria tradução literal do termo alemão Katzenzungen e que teria sido originalmente utilizada em 1892 pela chocolateria austríaca Küfferle, hoje pertencente à Lindt & Sprüngli. Segundo a Allshow, a expressão “língua de gato” é utilizada ao redor do mundo para fazer alusão aos chocolates comercializados em formato que se assemelha à aparência de uma língua de gato.

Para comprovar esse cenário, a empresa demonstrou que diversos fabricantes nacionais e estrangeiros possuem os chocolates língua de gato em seus portfólios, e utilizam essa expressão em diferentes idiomas para distinguir o formato dos chocolates comercializados.

Assim, como forma de explorar essa categoria de produto, em 2018, a Cacau Show sinalizou que lançaria o produto “Panettone Miau”, cuja descrição era a de um “panettone clássico com chocolate ao leite em formato língua de gato”. A estratégia de mercado da empresa seria interpretada pela concorrente Kopenhagen como uma tentativa de aproveitamento parasitário de sua marca, o que motivou a Allshow a pleitear, judicialmente, a nulidade dos registros das marcas da concorrente.

A Allshow argumentou que os direitos sobre a expressão Língua de Gato não poderiam ser concedidos de forma exclusiva a um único titular, na medida em que teria o cunho de identificar o chocolate comercializado em um formato específico, que seria prática comum no mercado de chocolates e produtos relacionados. A empresa também relatou que a concorrente estaria utilizando seus registros nominativos da marca Língua de Gato para se insurgir contra qualquer concorrente que utilizasse a expressão com caráter descritivo em seus produtos, provocando um monopólio indevido.

Em defesa, a Nibs alegou que comercializa no Brasil sua tradicional linha de chocolates Língua de Gato desde 1940, destacando que o termo não seria de uso comum no Brasil e que o seu caráter genérico em outros países não ensejaria a mesma condição em território nacional. A empresa argumentou que a exploração da expressão por concorrentes denotaria uma intenção parasitária, na medida em estariam buscando associar os seus produtos aos chocolates da Kopenhagen.

Como forma de refutar as alegações da concorrente, a Nibs sustentou que se a lógica da autora fosse coerente e a marca Língua de Gato fosse meramente descritiva acerca do formato dos produtos e de uso comum no mercado nacional, as expressões “Batom” (Garoto) ou “Diamante Negro” (Lacta) também poderiam ser utilizadas livremente por quaisquer competidores, desde que identificassem chocolates em formato de batom ou de diamantes negros.

Após analisar o caso, no dia primeiro de julho, a Juíza Lauda Bastos Carvalho, da 12ª Vara da Justiça Federal do Rio de Janeiro, publicou sua sentença, asseverando que “ficou comprovado que a expressão ‘língua de gato’ é de uso comum para designar chocolates em formato oblongo e achatado”.

Segundo a magistrada, o cenário de utilização da expressão Língua de Gato por concorrentes não caracterizaria um aproveitamento parasitário, tendo em vista que a expressão faz direta relação ao formato dos produtos, não sendo utilizada como elemento marcário.

Para sustentar seu entendimento, a juíza reforçou que “ficou comprovado que, antes de 2016, além do próprio grupo econômico da ré, pelo menos outros cinco concorrentes usavam a expressão ‘língua de gato’ para designar seus produtos de chocolate em formato oblongo e achatado, incluindo-se um dos maiores varejistas do Brasil1.

Logo, levando em consideração que na data do deferimento dos registros discutidos a expressão já era utilizada por pelo menos outras cinco empresas concorrentes para designar chocolates e produtos relacionados, a magistrada considerou que a expressão já era de uso comum no segmento de chocolates anos antes do exame dos pedidos de registro das marcas nominativas da Kopenhagen em 2016.

A juíza também reconheceu que a Nibs vem se utilizando do registro nominativo para se insurgir contra a utilização da expressão Língua de Gato por outras empresas do mesmo ramo como elemento descritivo, conduta esta que considerou anticoncorrencial.

No Brasil, pela Lei de Propriedade Industrial, ao titular do registro é assegurado o direito de uso exclusivo de sua marca em território nacional, bem como o direito de se insurgir contra terceiros. A Lei traz também as hipóteses para proibição de registro, estando, entre elas, o registro de sinais de caráter genérico e comum em relação ao produto ou serviço que visa distinguir.

O Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI é o órgão responsável pela análise de distintividade de um sinal marcário e por conferir direito de uso exclusivo ao titular, presumindo-se que ele seja capaz de distinguir o produto assinalado diante aos dos concorrentes. Entretanto, podem ocorrer casos em que o Examinador não consiga identificar eventual caráter de uso comum de uma expressão e um pedido de registro de marca seja indevidamente concedido, assim como, em outros casos, pode-se concluir erroneamente pelo caráter genérico, necessário ou comum de uma marca que, na verdade, seria dotada de distintividade. Nesses casos, a ação judicial de nulidade é um excelente recurso para discutir os assuntos em que a titular ou terceiros interessados entendam que ocorreu algum tipo de falha na decisão na esfera administrativa.

Nessa perspectiva, a sentença concluiu pela nulidade de um dos registros da marca nominativa Língua de Gato, nº 906413478, que garantia à Kopenhagen a exclusividade do termo para chocolates e produtos afins. Por outro lado, foi mantido o registro nº 906413966 para a mesma expressão nominativa, na medida em que assinala produtos não relacionados a chocolates e doces, havendo distintividade da expressão para os itens alimentares reivindicados por esse registro.

À vista disso, pelo presente desfecho judicial, tem-se que, a princípio, a Kopenhagen perdeu sua exclusividade sobre a expressão Língua de Gato, de forma isolada, para seus produtos de chocolate nesse formato característico, devendo resignar-se a conviver com empresas concorrentes se utilizando livremente do termo em caráter descritivo em suas mercadorias.

Nesse ponto, cumpre enfatizar que a Nibs ainda detém outros registros de marcas que contém o termo Língua de Gato acompanhado de outros elementos nominativos e/ou de um conjunto visual distintivo (logotipo).

A despeito da conclusão da ação judicial em primeiro grau, o embate acerca do assunto não parece ter chegado ao fim. Em nota, a Kopenhagen informou que, até que todo o processo esteja concluído, mantém seu direito exclusivo à expressão em disputa, se reservando ao direito de lutar judicialmente pela reforma da recente decisão.

1Informação disponível em: <https://www.estadao.com.br/economia/cacau-show-vence-kopenhagem-disputa-nome-lingua-de-gato-nprei/>. Acesso em: 06 de julho de 2024.

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