A corrupção continua a ser uma preocupação das democracias em todos os continentes. Não é diferente na Ásia, especialmente em Singapura, que, juntamente com a Nova Zelândia e países escandinavos, destacam-se como os exemplos de melhores práticas na infraestrutura e no arcabouço legal implementado no combate à corrupção.
O combate à corrupção em Singapura já parte do pilar mais adequado: a criação de uma agência específica para esse fim, ou seja, uma agência anticorrupção que, no caso, é denominada de Agência de investigação de práticas Corruptas (Corrupt Practices Investigation Bureau – CPIB). Ela foi criada em 1952 como uma agência independente sob a alçada do procurador-geral até ser transferida em 1969 para o Gabinete do Primeiro-Ministro, tendo autonomia para operar de forma independente. Assim, caso o primeiro-ministro recuse qualquer investigação ou trâmite de um processo, o diretor da CPIB pode recorrer diretamente ao presidente do país.
Uma das principais reclamações na maior parte dos países é a falta de transparência e ausência de comunicação eficiente indicando à população onde uma denúncia sobre suborno ou corrupção pode ser realizada. Após visualizar a página principal do site da CPIB abaixo, a eficiência dessa agência singapurense em tornar transparente essa informação fica evidente.
O grande impulso no combate à corrupção, no entanto, deu-se a partir do governo do primeiro-ministro Lee Kuan Yew. Eleito pelo Partido de Ação Popular (People's Action Party – PAP) em 1959, ele estabeleceu um compromisso comum de criar medidas para blindar o governo contra a corrupção e estabelecer um sistema de meritocracia. Desde então, uma cultura de tolerância zero passou a ser incorporada no modo de vida da população de Singapura.
1.1. O ARCABOUÇO LEGAL NO COMBATE À CORRUPÇÃO EM SINGAPURA
O arcabouço legal para garantir o combate à corrupção em Singapura sustenta-se nas seguintes leis:
Lei de Prevenção da Corrupção (PCA) 1960
- Poderes para a CPIB investigar suborno em todas as formas, tanto de natureza monetária como não monetária, e nos setores público e privado;
- Poderes extraterritoriais para a CPIB lidar com atos corruptos cometidos por um cidadão de Singapura fora do país como se estes fossem cometidos internamente;
- Multa de até S$ 100.000 ou uma pena de prisão não superior a 5 anos, ou a ambos, por cada acusação de corrupção;
- Multa de até S$ 100.000 ou uma pena de prisão não superior a 7 anos, ou a ambos, por cada acusação de corrupção em relação a um contrato ou uma proposta de contrato com o Governo;
- Presunção quando qualquer gratificação dada ou recebida por uma pessoa no emprego do Governo ou de um organismo público é considerada corrupta e o ónus da prova para ilidir a presunção é da pessoa;
- Perda da gratificação recebida sob a forma de pena equivalente ao valor da propina recebida na condenação; e
- Não divulgação do nome ou endereço de qualquer informante, ou qualquer assunto que possa levar à descoberta da identidade do informante.
Lei de Corrupção,Tráfico de Drogas e Outros Crimes Graves 1992
- Pune a lavagem de dinheiro proveniente de suborno;
- Confisca benefícios oriundos da corrupção.
Código Penal 1871
- Tipifica os delitosnos Artigos 161 a 165.
1.2. A LEI DE PREVENÇÃO DA CORRUPÇÃO DE SINGAPURA
A Lei de Prevenção da Corrupção (Prevention of Corruption Act – PCA), promulgada em 17 de junho de 1960, serve como a principal lei anticorrupção em Singapura. Esta legislação confere poderes à CPIB e define a corrupção, assim como as sanções associadas.
A definição de corrupção, segundo a PCA, abrange um suborno oferecido em troca de um favor. O suborno pode assumir diversas formas, incluindo considerações monetárias ou não monetárias, o que inclui dinheiro, presentes, empréstimos, taxas, recompensas, comissões ou outras formas de propriedade. Além disso, qualquer oferta, promessa ou compromisso de gratificação se enquadra nesta definição.
Ainda segundo a PCA, a CPIB deve investigar todos os casos de corrupção, independentemente de envolverem indivíduos do setor público ou privado. Ninguém, independentemente da posição, antiguidade ou filiação política, está isento da lei.
Uma pessoa, se condenada por um crime de corrupção previsto na PCA, poderá ser multada em até S$ 100.000 dólares de Singapura ou prisão por um período não superior a 5 anos, ou ambos, por cada acusação de corrupção. Por outro lado, espera-se que os funcionários públicos desempenhem as suas funções com integridade. Se uma transação corrupta estiver relacionada com um contrato ou proposta governamental, a pessoa condenada pode enfrentar uma multa de até S$ 100.000, prisão por um período não superior a 7 anos, ou ambos, por cada crime de corrupção. Aliás, quando um infrator corrupto é condenado, o tribunal pode ordenar-lhe o pagamento de uma multa equivalente ao montante dos subornos recebidos.
A PCA prevê uma presunção onde qualquer gratificação dada ou recebida por um funcionário público é considerada corrupta. Espera-se também que os funcionários públicos relatem casos em que a gratificação é oferecida, aceita ou exigida.
No que diz respeito aos limites da territorialidade da jurisdição da PCA, ela alcança atos de corrupção cometidos por cidadãos de Singapura fora do país como se esses atos tivessem ocorrido dentro de Singapura.
Finalmente, a identidade dos denunciantes deve permanecer confidencial segundo a PCA.
1.3. O CÓDIGO PENAL DE SINGAPURA – UM EXEMPLO DE BOA PRÁTICA
A Singapura não é considerada a pérola da Ásia à toa. Existe uma sólida cultura de integridade e educação que atinge toda a sua população. Dessa forma, coisas que são comuns na expressiva maioria dos países não são toleráveis em Singapura, onde é proibida a comercialização ou o uso de chicletes, o ato de cuspir no chão, veículos com mais de 10 anos de idade circulando, a travessia de pedestres fora da faixa, a comida no metrô e a pornografia é banida.
Além de normas rígidas, o que faz realmente a grande diferença é não haver impunidade. As leis são efetivamente aplicadas e o seu respeito é monitorado de perto pelo aparato governamental.
Como parte das ferramentas para coibir atos ilícitos, especialmente no âmbito do suborno ou da corrupção, destaca-se o Código Penal de 1871. Este é atualiza constantemente e é uma referência de boa prática em todo o mundo, já que seus artigos possuem definições e exemplos práticos; algo geralmente só encontrados em outros países em códigos comentados por juristas.
Passamos a transcrever os artigos correlacionados com corrupção abaixo:
ARTIGO 161 – SERVIDOR PÚBLICO RECEBENDO GRATIFICAÇÃO, QUE NÃO SEJA REMUNERAÇÃO, POR ATO OFICIAL
Quem, sendo ou esperando ser funcionário público, aceita ou obtém,ou concorda em aceitar ou tenta obter, de qualquer pessoa, para si ou paraqualquer outra pessoa, qualquer gratificação que não seja remuneração legal,como motivo ou recompensa por fazer ou perdoar qualquer ato oficial, ou pormostrar ou perdoar mostrar, no exercício das suas funções oficiais,favorecimento ou desfavor a qualquer pessoa, ou por prestar ou tentar prestarqualquer serviço ou desserviço a qualquer pessoa, com o Governo, ou comqualquer deputado ou gabinete, ou com qualquer funcionário público, enquantotal, é punido com pena de prisão por um período que pode estender-se a 3 anos,ou com multa, ou com ambos.
Explicações
“Esperando serservidor público”. Se uma pessoa que não espera estar no cargo obtém umagratificação enganando os outros em uma crença de que está prestes a estar nocargo, e que ele então irá servi-los, ele pode ser culpado de trapaça, mas elenão é culpado do crime definido nesta seção.
“Gratificação”.A palavra “gratificação” não se restringe a gratificações pecuniárias ou agratificações estimáveis em dinheiro.
“Remuneraçãolegal”. A expressão “remuneração legal” não se restringe à remuneração que umservidor público pode exigir legalmente, mas inclui todas as remunerações queele está autorizado por lei a aceitar.
“Um motivo ourecompensa por fazer”. Uma pessoa que recebe uma gratificação como motivo parafazer o que não pretende fazer, ou como recompensa por fazer o que não fez.
Exemplos de Casos
(a) A, juiz, obtém de Z, banqueiro, uma situaçãono banco de Z para o irmão de A, como recompensa a A por decidir uma causa afavor de Z. Acometeu a infração definida nesta seção.
(b) A, funcionário público, induz Z erroneamente a acreditar que a influência de A com outro funcionário público obteve para Z um contrato para fazer trabalho, e assim induz Z a dar dinheiro a A. A cometeu a infração definida nesta seção.
(c) A, funcionário público, induzZ erroneamente a acreditar que a influência de A junto ao Governo obteve uma concessão de terras para Z, e assim induz Z a dar dinheiro a A, como recompensa pelo seu serviço. A cometeu a infração definida nesta seção.
ARTIGO 162 – RECEBER UMA GRATIFICAÇÃO PARA, PORMEIOS CORRUPTOS OU ILEGAIS, INFLUENCIAR UM SERVIDOR PÚBLICO
Quem aceitar ouobtiver, ou concordar em aceitar ou tentar obter, de qualquer pessoa, para siou para qualquer outra pessoa, qualquer gratificação que seja, como motivo ourecompensa por induzir, por meios corruptos ou ilegais, qualquer servidorpúblico a fazer ou deixar de praticar qualquer ato oficial, ou no exercício dasfunções oficiais desse servidor público a mostrar favor ou desfavor a qualquerpessoa, ou prestar ou tentar prestar qualquer serviço ou desserviço a qualquerpessoa, ao Governo, ou a qualquer deputado ou ao Gabinete, ou a qualquerfuncionário público, enquanto tal, é punido com pena de prisão por um períodoque pode estender-se a 3 anos, ou com multa, ou com ambos.
ARTIGO 163 – RECEBER UMA GRATIFICAÇÃO, PELOEXERCÍCIO DE INFLUÊNCIA PESSOAL JUNTO A UM SERVIDOR PÚBLICO
Quem aceitar ouobtiver, ou concordar em aceitar ou tentar obter, de qualquer pessoa, para siou para qualquer outra pessoa, qualquer gratificação que seja, como motivo ourecompensa por induzir, pelo exercício de influência pessoal, qualquer servidorpúblico a praticar ou deixar de praticar qualquer ato oficial, ou no exercíciodas funções oficiais desse servidor público a mostrar favor ou desfavor aqualquer pessoa, ou prestar ou tentar prestar qualquer serviço ou desserviço aqualquer pessoa junto do Governo, ou com qualquer Deputado ou Gabinete, ou comqualquer funcionário público, enquanto tal, é punido com pena de prisão por umperíodo que pode estender-se a um ano, ou com multa, ou com ambos.
Exemplos de Casos
Um advogado que recebe honorários paraargumentar um caso perante um juiz; uma pessoa que recebe pagamento paraorganizar e corrigir um memorial dirigido ao Governo, expondo os serviços ereivindicações do memorialista; um agente remunerado de um criminoso condenado,que faz diante do Governo declarações tendentes a mostrar que a condenação foiinjusta – não estão dentro desta seção, na medida em que não exercem ouprofessam exercer influência pessoal.
ARTIGO 164 – PUNIÇÃO POR CUMPLICIDADE, POR PARTE DOSERVIDOR PÚBLICO, DAS INFRAÇÕES ACIMA DEFINIDAS
Quem, sendo funcionáriopúblico, em relação ao qual seja cometida qualquer das infracções definidas nosartigos 162.º e 163.º, cometa a infracção, é punido com pena de prisão por umperíodo que pode estender-se a 3 anos, ou com multa, ou com ambas.
Exemplo de Caso
A éservidor público. B, esposa de A, recebe um presente como motivo para solicitar que A dê um cargo a determinada pessoa. A incentiva a fazê-lo. Bé punível com pena de prisão não superior a um ano, ou com multa, ou com ambas.A é punível com pena de prisão por um período que podeestender-se a 3 anos, ou com multa, ou com ambos.
ARTIGO 165 – SERVIDOR PÚBLICO QUE OBTIVER ALGO DEVALOR, SEM CONTRAPRESTAÇÃO, DE PESSOA INTERESSADA EM QUALQUER PROCESSO OUNEGÓCIO TRANSACIONADO POR TAL SERVIDOR PÚBLICO
Quem, sendofuncionário público, aceitar ou obter, ou aceitar ou tentar obter, para si oupara qualquer outra pessoa, algo de valor, sem contraprestação, ou por umacontraprestação que ele sabe ser inadequada, de qualquer pessoa que ele sabeter sido, ou ser, ou ser suscetível de ser envolvido em qualquer processo ounegócio transacionado, ou prestes a ser transacionado, por esse funcionáriopúblico, ou que tenha qualquer ligação com as funçõesoficiais dele ou de qualquer funcionário público a que esteja subordinado, oude qualquer pessoa que saiba interessar ou relacionar-se com a pessoa em causa,é punido com pena de prisão por um período que pode estender-se a 2 anos, oucom multa, ou com ambos.
Exemplos de Casos
(a) A, juiz, contrata uma casa de Z, que tem um processo pendente perante ele. Ficaacordado que A pagará 50 dólares por mês, sendoa casa tal que, se a negociação fosse feita de boa-fé, A seria obrigada a pagar 200 dólares por mês. A obteve algo de valor de Zsem a devida consideração.
(b) A, juiz, compra de Z, que tem uma causapendente no tribunal de A, notas promissórias doGoverno com desconto, quando está para vender no mercado por certo valor. A obteve algo de valor de Zsem a devida consideração.
(c) O irmão de Z é detido e levadoperante A, um juiz, sob a acusação deperjúrio. A vende para Z ações de um banco com um ágio, quando elas estão àvenda no mercado com desconto. Z paga A pelas ações de forma apropriada. O dinheiro assimobtido por A é algo de valor obtido por elesem a devida contraprestação.
1.4. OS MAIORES CASOS DE CORRUPÇÃO EM SINGAPURA
Até o presente momento, esses foram os maiores casos de corrupção existentes em Singapura:
1.4.1. SINGAPORE TECHNOLOGIES
Neste caso significativo, sete executivos seniores estavam sob investigação. Eles teriam supostamente feito reivindicações de dinheiro para despesas falsas de entretenimento, mas estavam, na realidade, canalizando esses pagamentos como subornos a funcionários de suas eventuais empresas clientes.
1.4.2. EX-MINISTRO DOS TRANSPORTES SUBRAMANIAM ISWARAN
Em 2023, o ex-ministro dos Transportes S. Iswaran enfrentou acusações de corrupção e de 27 crimes ligados à organização do Grande Prêmio de Fórmula 1. Este foi o primeiro escândalo de corrupção desde a década de 80, em Singapura. Dentre esses crimes, estão o aceite de subornos e bens de luxo, incluindo ingressos para o Grande Prêmio de Fórmula 1, em valor superior US$ 218 mil, entre 2015 e 2021. Ele foi preso em 11 de julho de 2023, saiu sob fiança de S$ 800 mil e posteriormente renunciou. O caso contra ele está em andamento.
1.4.3. O CASO DE SUBORNO DE US$ 1
Este caso real de corrupção envolveu dois homens que aceitavam regularmente subornos de 1 dólar de motoristas de caminhão. Esses subornos foram dados em troca de não atrasar a carga e descarga dos veículos.
1.5. O GUIA PRÁTICO ANTICORRUPÇÃO (PACT)
Para aqueles que desejam fazer negócios envolvendo indivíduos ou empresas de Singapura ou ainda para aqueles que desejam se aprofundar a respeito de detalhes das normas anticorrupção naquele país, a CPIB elaborou o Guia Prático Anticorrupção (Practical Anti–Corruption Guide for Businesses in Singapore – PACT). Trata-se de em uma formidável fonte de consulta para esclarecer todas as dúvidas a respeito de práticas de suborno ou corrupção existentes no país.