O Guia Lilás da CGU no Combate ao Assédio Moral, Assédio Sexual e à Discriminação no Serviço Público

April 8, 2024

Não é recente a luta que empresas e governos travam para combater o assédio moral, assédio sexual e a discriminação que pode ocorrer entre colaboradores, tanto no setor privado, como também no setor público. Um dramático exemplo desse confronto sem fim foi a demissão do presidente da Caixa Econômica Federal (CEF) em 29 de junho de 2022 em virtude de denúncias de assédio sexual feitas por funcionárias da CEF.

Ao se examinar as pesquisas mais recentes sobre a natureza de denúncias internas a respeito de violações de conduta, mais de 80% delas são pertinentes a assédio sexual e assédio moral dentro das organizações.

A Controladoria Geral da União (CGU) lançou em 2023 o Guia Lilás com orientações para prevenção e tratamento do assédio moral, assédio sexual e da discriminação no Governo Federal. Trata-se de uma iniciativa louvável em que a CGU busca propiciar aos agentes públicos as informações necessárias para primeiramente entender o que é uma situação de assédio moral, assédio sexual e discriminação e como lidar com essas situações quando o agente público for a vítima ou mesmo uma testemunha.

Assim, vamos às definições trazidas pelo referido Guia Lilás para assédio moral, assédio sexual e discriminação:

TIPO DE VIOLAÇÃO

DESCRIÇÃO

Assédio Moral

O assédio moral consiste na violação da dignidade ou integridade psíquica ou física de outra pessoa por meio de conduta abusiva, podendo ocorrer dentro ou fora da jornada de trabalho ou, ainda, em ambiente virtual. Manifesta-se por meio de gestos, palavras (orais ou escritas), comportamentos ou atitudes que exponham o(a) servidor(a), o(a) empregado(a) ou o(a) estagiário(a) ou o(a) terceirizado(a), individualmente ou em grupo, a situações humilhantes e constrangedoras, degradando o clima de trabalho e muitas vezes impactando a estabilidade emocional e física da vítima. A pessoa assediada integra, muitas vezes, algum grupo que já sofre discriminação social, tais como mulheres, pessoas com deficiência, pessoas idosas, negras, minorias étnicas, população LGBTQIAP+, dentre outros.

Assédio Sexual

O assédio sexual é crime e não deve ser tolerado. É definido por lei como o ato de constranger alguém, com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função. (Código Penal, art. 216-A). O assédio sexual pode se manifestar por meio de mensagens escritas, gestos, cantadas, piadas, insinuações, chantagens ou ameaças; ou seja, de maneira sutil ou explícita, não sendo o contato físico requisito para a configuração do assédio sexual, bastando que ocorra a perseguição indesejada.

Discriminação

Discriminação é toda distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em sexo, gênero, idade, orientação sexual, deficiência, crença religiosa, convicção filosófica ou política, raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica, que tenha por objeto anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício, em igualdade de condições, de direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural ou em qualquer outro campo da vida pública ou privada (art. 1º, I, da Lei 12.288/2010). Além disso, a Convenção n° 111 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) compreende a discriminação como toda distinção, exclusão ou preferência fundada na raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidade ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão.

EXEMPLOS DE ASSÉDIO MORAL, ASSÉDIO SEXUAL E DISCRIMINAÇÃO

O Guia Lilás é bem rico na exemplificação de condutas que caracterizam o assédio moral, o assédio sexual e a discriminação, conforme pode ser verificado no quadro abaixo:

TIPO DE VIOLAÇÃO

EXEMPLOS

Assédio Moral

– Privar a pessoa do acesso aos instrumentos necessários para realizar o seu trabalho;

– Sonegar informações necessárias à realização de suas tarefas ou fornecer informações que induzam ao erro;

– Não atribuir atividades à pessoa, deixando-a sem quaisquer tarefas a cumprir, provocando a sensação de inutilidade e de incompetência, ou colocando-a em uma situação humilhante frente aos colegas de trabalho;

– Contestar sistematicamente todas as suas decisões e criticar o seu trabalho de modo exagerado ou injusto, em especial na frente de outras pessoas;

– Entregar, de forma permanente, quantidade superior de tarefas comparativamente a seus colegas;

– Exigir a execução de tarefas urgentes de forma permanente e desnecessária;

– Atribuir, de propósito e com frequência, tarefas inferiores ou superiores, distintas das suas atribuições;

– Controlar a frequência e o tempo de utilização de banheiro;

– Pressionar para que não exerçam seus direitos estatutários ou trabalhistas;

– Dificultar ou impedir promoções ou o exercício de funções diferenciadas;

– Segregar a pessoa assediada no ambiente de trabalho, seja fisicamente, seja mediante recusa de comunicação;

– Agredir verbalmente, gritar, dirigir gestos de desprezo, ou ameaçar com outras formas de violência física e/ou emocional;

– Criticar a vida privada, as preferências ou as convicções pessoais ou políticas;

– Espalhar boatos ou fofocas a respeito da pessoa assediada, ou fazer piadas, procurando desmerecê-la ou constrangê-la perante seus superiores, colegas ou subordinados;

– Desconsiderar problemas de saúde ou recomendações médicas na distribuição de tarefas;

– Realizar um controle excessivo e desproporcional apenas sobre a pessoa assediada;

– Evitar a comunicação direta com a pessoa assediada, ocorrendo normalmente quando a comunicação se dá apenas por e-mail, bilhetes ou terceiros e outras formas indiretas de comunicação;

– Isolar a pessoa assediada de confraternizações, almoços e atividades realizadas em conjunto com os demais colegas;

– Fazer comentários indiscretos quando a pessoa falta ao serviço;

– Ameaçar a pessoa com violência física ou agredir fisicamente, ainda que de forma leve;

– Invadir a intimidade da pessoa, procedendo a escutas de ligações telefônicas, leituras de correspondências, mensagens em aplicativos ou e-mails;

– Ignorar a presença da pessoa;

– Atribuir tarefas vexatórias ou humilhantes à pessoa;

– Fazer insinuações ou afirmações de incompetência ou incapacidade da pessoa pelo fato de ser mulher;

– Questionar a sanidade mental da pessoa pelo fato de ser mulher;

– Apropriar-se das ideias de mulheres, sem dar–lhes os devidos créditos e reconhecimento;

– Interromper constantemente mulheres no ambiente de trabalho e/ou em atividades relacionadas ao trabalho;

– Tratar mulheres de forma infantilizada e/ou condescendente, com apresentação de explicações e/ou opiniões não solicitadas;

– Dificultar ou impedir que as gestantes compareçam a consultas médicas fora do ambiente de trabalho;

– Interferir no planejamento familiar das mulheres, sugerindo que não engravidem;

– Emitir críticas ao fato de a mulher ter engravidado;

– Desconsiderar recomendações médicas às gestantes na distribuição de tarefas;

– Desconsiderar sumária e repetitivamente a opinião técnica da mulher em sua área de conhecimento; e

– Proferir piadas de cunho sexista.

Assédio Sexual

– Conversas indesejáveis sobre sexo;

– Narração de piadas ou uso de expressões de conteúdo sexual;

– Contato físico não desejado;

– Solicitação de favores sexuais;

– Convites impertinentes;

– Pressão para participar de “encontros” e saídas;

– Exibicionismo;

– Criação de um ambiente pornográfico;

– Insinuações, explícitas ou veladas, de caráter sexual;

– Gestos ou palavras, escritas ou faladas, de caráter sexual;

– Promessas de tratamento diferenciado;

– Chantagem para permanência ou promoção no emprego;

– Ameaças, veladas ou explícitas, de represálias, como a de perder o emprego;

– Perturbação e ofensas;

– Comentários e observações insinuantes e comprometedoras sobre a aparência física ou sobre a personalidade da pessoa assediada;

– Contato físico não solicitado e além do formal, com intimidade não construída, como toques, beijos, carícias, tapas e abraços; e

– Insistência em qualquer um dos comportamentos anteriores, especialmente se houver uma relação de hierarquia ou diferença de gênero.

Discriminação

– Pagar salário menor a uma mulher que desempenhe as mesmas funções de um homem;

– Não contratar ou não promover uma pessoa em razão de sua cor, deficiência, idade, orientação sexual ou gênero;

– Ofender ou agredir em razão de sua orientação sexual ou identidade de gênero (homofobia e transfobia);

– Isolar ou excluir pessoas com deficiência de espaços sem acessibilidade;

– Não contratar, não promover, exonerar mulheres de cargos de chefia por motivos de gravidez ou licença maternidade; e

– Preterir pessoas devidamente qualificadas para o trabalho em razão de sua idade.

TIPOS DE ASSÉDIO MORAL

O Guia Lilás descreve os tipos de assédio moral, da seguinte forma:

TIPOS DE ASSÉDIO MORAL

DESCRIÇÃO

Assédio Moral Vertical

Ocorre quando há relação de hierarquia entre o(a) agressor(a) e o(a) assediado(a), podendo ser descendente ou ascendente.

Assédio Moral Horizontal

Ocorre quando o assédio é praticado entre pessoas de mesma hierarquia.

Assédio Moral Descendente

Ocorre quando o assédio é praticado por uma pessoa em posição hierárquica superior.

Assédio Moral Ascendente

Ocorre quando o assédio é praticado por uma pessoa em posição hierárquica inferior.

Assédio Moral Misto ou “Bullying Misto”

Ocorre quando, de forma coordenada, uma pessoa é assediada por superiores hierárquicos e por colegas de trabalho com os quais não possui relação de subordinação.

Assédio Moral Organizacional

Ocorre quando a organização incentiva e/ou tolera o assédio. Nesse caso, o propósito é atingir o(a) trabalhador(a) por meio de estratégias organizacionais de constrangimento, explícitas ou sutis, com o objetivo de melhorar a produtividade, reforçar o controle ou demonstrar poder. Caracteriza-se pelo processo contínuo de hostilidades, estruturado por meio da política organizacional ou gerencial, que tem como objetivo imediato aumentar a produtividade, diminuir custos, reforçar o controle ou excluir trabalhadores que a organização não deseja manter em seu quadro. Pode ser direcionado a todo o grupo ou a integrantes de determinado perfil (gestantes, por exemplo).

O PAPEL DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA AO COIBIR O ASSÉDIO MORAL

O Guia Lilás expõe de maneira bem clara que o setor público pode coibir o assédio moral por meio da adoção do seguinte:

MEDIDAS PREVENTIVAS

DETALHAMENTO

Cobrar compromisso e engajamento da alta administração

– Difundir as informações deste Guia para todos (as) os(as) servidores(as), empregados(as) e estagiários(as) e terceirizados(as) e propor ações de sensibilização, capacitação, prevenção e tratamento do assédio, garantindo os recursos necessários a essas atividades; e

– Apurar de forma célere as denúncias de assédio.

Incentivar as boas relações de trabalho nas organizações

– Promover um ambiente de trabalho solidário e cooperativo;

– Promover espaços de avaliação do clima organizacional e das relações sociais do órgão, entidade ou empresa; e

– Buscar meios de prover atendimento a servidores(as), empregados(as), estagiários(as), terceirizados(as) que apresentem mudanças de comportamento.

Promover capacitação e treinamento

– Ofertar capacitação continuada a servidores e gestores sobre violências de gênero, racismo e outras formas de discriminação;

– Realizar campanhas sistemáticas de sensibilização sobre estereótipos, microagressões, atitudes machistas cotidianas, comportamentos racistas e LGBTfóbicos, linguagem ofensiva, entre outros;

– Treinar as equipes de gestão de pessoas sobre acolhimento humanizado e sigiloso de pessoas vítimas de assédio e discriminação; e

– Treinar as equipes de ouvidoria sobre o protocolo de recebimento de denúncias e os respectivos encaminhamentos.

PREVENÇÃO DO ASSÉDIO SEXUAL PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

O Guia Lilás é novamente bem detalhado quanto às medidas preventivas que a Administração Pública pode tomar para prevenir situações de assédio sexual, conforme o quadro abaixo:

MEDIDAS PREVENTIVAS DIANTE DO ASSÉDIO SEXUAL

1. Oferecer informação sobre o que caracteriza assédio sexual e sobre os procedimentos a serem adotados em caso de assédio;

2. Fazer constar medidas de prevenção do assédio sexual no código de ética do servidor, nos contratos das empresas de terceirização, assim como dos contratos de trabalho de prestadores de serviços;

3. Fazer campanhas de sensibilização para a prática de relações respeitosas no ambiente de trabalho;

4. Instituir comitês de prevenção e enfrentamento do assédio moral e do assédio sexual no poder executivo federal;

5. Garantir a confidencialidade, a privacidade, a proteção e o acolhimento das pessoas que denunciam;

6. Garantir a lisura e o sigilo dos procedimentos;

7. Promover alterações de lotação, caso seja desejo da vítima, até o fim das apurações;

8. Avaliar constantemente as relações interpessoais no ambiente de trabalho, atentando para as mudanças de comportamento;

9. Promover ações de capacitação de gestores e servidores;

10. Promover espaços de discussão, de característica voluntária, para construir compromissos e objetivos comuns voltados para a organização do ambiente de trabalho saudável e sustentável;

11. Produzir diagnóstico e relatórios sobre a qualidade de vida e bem-estar de servidores(as) e terceirizados(as);

12. Prover pessoal qualificado nas unidades de gestão de pessoas e de saúde para acolher a vítima, sempre com confidencialidade e sigilo de informações;

13. Dispor de ouvidoria com as capacidades para acolher denúncias de maneira empática, objetiva e centrada no acolhimento da vítima; e

14. Apurar e punir as violações denunciadas.

O QUE FAZER SE HOUVER ASSÉDIO SEXUAL?

O Guia Lilás novamente orienta de forma muito clara todas as ações que devem ser adotadas por uma vítima de assédio:

AÇÕES A SEREM TOMADAS PELO ASSEDIADO SEXUALMENTE

1. Rompa o ciclo do silêncio!

2. Anote TUDO: as situações de assédio, relatando detalhes, tais como dia, local, nome da(s) pessoa(s) envolvida(s) e de testemunhas, motivos alegados e conteúdo das conversas;

3. Converse com pessoas que possam ter presenciado a situação de assédio e possam ser possíveis testemunhas;

4. Evite ficar a sós com a pessoa assediadora. Procure sempre ter a presença de outras pessoas;

5. Reúna todas as provas possíveis, tais como gravações, fotos, e-mails, bilhetes, presentes e testemunhas;

6. É fundamental falar com alguém de sua confiança, não se isole. Busque uma rede de apoio que ajude você a lidar com o ocorrido;

7. Denuncie na Ouvidoria do órgão ou entidade, e faça um boletim de ocorrência na Delegacia de Atendimento Especial à Mulher (DEAM) ou em qualquer delegacia comum;

8. Ligue 180 para fazer a denúncia do caso;

9. Em caso de terceirizada/o ou empregada/o pública/o, registre a denúncia na Delegacia Regional do Trabalho (DRT) e no Ministério Público do Trabalho (MPT).

COMO A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DEVE AGIR DIANTE DE DENÚNCIAS DE ASSÉDIO MORAL, ASSÉDIO SEXUAL OU DISCRIMINAÇÃO

O Guia Lilás preconiza como deve ocorrer o atendimento à vítima de tais atos ou a um denunciante que os tenha testemunhado. Esse atendimento deverá ter como base a garantia de privacidade, o sigilo sobre as informações prestadas, a disponibilização do tempo necessário para a escuta ativa (compreendida como aquela efetuada com a demonstração de interesse, compreensão e valorização do que o denunciante está relatando). Além disso, é importante o eventual registro da manifestação e o estabelecimento de uma relação de confiança que preze pela empatia, bem como um ambiente de escuta acolhedor e com privacidade.

O atendimento deverá ser realizado preferencialmente em dupla para que o registro das informações possa ser feito sem prejuízos ao acolhimento do denunciante. Sempre que possível, com a presença de uma mulher, buscando uma maior solidariedade, cabendo o reconhecimento dos fatores estruturais, circunstanciais e as situações de vulnerabilidades reveladas pelos marcadores sociais de gênero, classe, raça, idade, impedimento ou deficiência, religião e etnia.

Os atendimentos serão registrados e documentados na plataforma Fala.BR para que os dados quantitativos e qualitativos sejam sistematizados. Isso permite que o acompanhamento do caso seja adequado e gere periodicamente estatísticas e relatórios sobre a situação de assédio moral, sexual e discriminação na Administração Pública federal.

É importante salientar que, ao realizar uma denúncia na forma como aqui descrita, o denunciante passa a contar com uma série de proteções e garantias. Entre elas, sua denúncia será tratada pela Ouvidoria, com confidencialidade, garantindo a proteção de sua identidade, e, finalmente, a não retaliação.

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Não é recente a luta que empresas e governos travam para combater o assédio moral, assédio sexual e a discriminação que pode ocorrer entre colaboradores, tanto no setor privado, como também no setor público. Um dramático exemplo desse confronto sem fim foi a demissão do presidente da Caixa Econômica Federal (CEF) em 29 de junho de 2022 em virtude de denúncias de assédio sexual feitas por funcionárias da CEF.

Ao se examinar as pesquisas mais recentes sobre a natureza de denúncias internas a respeito de violações de conduta, mais de 80% delas são pertinentes a assédio sexual e assédio moral dentro das organizações.

A Controladoria Geral da União (CGU) lançou em 2023 o Guia Lilás com orientações para prevenção e tratamento do assédio moral, assédio sexual e da discriminação no Governo Federal. Trata-se de uma iniciativa louvável em que a CGU busca propiciar aos agentes públicos as informações necessárias para primeiramente entender o que é uma situação de assédio moral, assédio sexual e discriminação e como lidar com essas situações quando o agente público for a vítima ou mesmo uma testemunha.

Assim, vamos às definições trazidas pelo referido Guia Lilás para assédio moral, assédio sexual e discriminação:

TIPO DE VIOLAÇÃO

DESCRIÇÃO

Assédio Moral

O assédio moral consiste na violação da dignidade ou integridade psíquica ou física de outra pessoa por meio de conduta abusiva, podendo ocorrer dentro ou fora da jornada de trabalho ou, ainda, em ambiente virtual. Manifesta-se por meio de gestos, palavras (orais ou escritas), comportamentos ou atitudes que exponham o(a) servidor(a), o(a) empregado(a) ou o(a) estagiário(a) ou o(a) terceirizado(a), individualmente ou em grupo, a situações humilhantes e constrangedoras, degradando o clima de trabalho e muitas vezes impactando a estabilidade emocional e física da vítima. A pessoa assediada integra, muitas vezes, algum grupo que já sofre discriminação social, tais como mulheres, pessoas com deficiência, pessoas idosas, negras, minorias étnicas, população LGBTQIAP+, dentre outros.

Assédio Sexual

O assédio sexual é crime e não deve ser tolerado. É definido por lei como o ato de constranger alguém, com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função. (Código Penal, art. 216-A). O assédio sexual pode se manifestar por meio de mensagens escritas, gestos, cantadas, piadas, insinuações, chantagens ou ameaças; ou seja, de maneira sutil ou explícita, não sendo o contato físico requisito para a configuração do assédio sexual, bastando que ocorra a perseguição indesejada.

Discriminação

Discriminação é toda distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em sexo, gênero, idade, orientação sexual, deficiência, crença religiosa, convicção filosófica ou política, raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica, que tenha por objeto anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício, em igualdade de condições, de direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural ou em qualquer outro campo da vida pública ou privada (art. 1º, I, da Lei 12.288/2010). Além disso, a Convenção n° 111 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) compreende a discriminação como toda distinção, exclusão ou preferência fundada na raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidade ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão.

EXEMPLOS DE ASSÉDIO MORAL, ASSÉDIO SEXUAL E DISCRIMINAÇÃO

O Guia Lilás é bem rico na exemplificação de condutas que caracterizam o assédio moral, o assédio sexual e a discriminação, conforme pode ser verificado no quadro abaixo:

TIPO DE VIOLAÇÃO

EXEMPLOS

Assédio Moral

– Privar a pessoa do acesso aos instrumentos necessários para realizar o seu trabalho;

– Sonegar informações necessárias à realização de suas tarefas ou fornecer informações que induzam ao erro;

– Não atribuir atividades à pessoa, deixando-a sem quaisquer tarefas a cumprir, provocando a sensação de inutilidade e de incompetência, ou colocando-a em uma situação humilhante frente aos colegas de trabalho;

– Contestar sistematicamente todas as suas decisões e criticar o seu trabalho de modo exagerado ou injusto, em especial na frente de outras pessoas;

– Entregar, de forma permanente, quantidade superior de tarefas comparativamente a seus colegas;

– Exigir a execução de tarefas urgentes de forma permanente e desnecessária;

– Atribuir, de propósito e com frequência, tarefas inferiores ou superiores, distintas das suas atribuições;

– Controlar a frequência e o tempo de utilização de banheiro;

– Pressionar para que não exerçam seus direitos estatutários ou trabalhistas;

– Dificultar ou impedir promoções ou o exercício de funções diferenciadas;

– Segregar a pessoa assediada no ambiente de trabalho, seja fisicamente, seja mediante recusa de comunicação;

– Agredir verbalmente, gritar, dirigir gestos de desprezo, ou ameaçar com outras formas de violência física e/ou emocional;

– Criticar a vida privada, as preferências ou as convicções pessoais ou políticas;

– Espalhar boatos ou fofocas a respeito da pessoa assediada, ou fazer piadas, procurando desmerecê-la ou constrangê-la perante seus superiores, colegas ou subordinados;

– Desconsiderar problemas de saúde ou recomendações médicas na distribuição de tarefas;

– Realizar um controle excessivo e desproporcional apenas sobre a pessoa assediada;

– Evitar a comunicação direta com a pessoa assediada, ocorrendo normalmente quando a comunicação se dá apenas por e-mail, bilhetes ou terceiros e outras formas indiretas de comunicação;

– Isolar a pessoa assediada de confraternizações, almoços e atividades realizadas em conjunto com os demais colegas;

– Fazer comentários indiscretos quando a pessoa falta ao serviço;

– Ameaçar a pessoa com violência física ou agredir fisicamente, ainda que de forma leve;

– Invadir a intimidade da pessoa, procedendo a escutas de ligações telefônicas, leituras de correspondências, mensagens em aplicativos ou e-mails;

– Ignorar a presença da pessoa;

– Atribuir tarefas vexatórias ou humilhantes à pessoa;

– Fazer insinuações ou afirmações de incompetência ou incapacidade da pessoa pelo fato de ser mulher;

– Questionar a sanidade mental da pessoa pelo fato de ser mulher;

– Apropriar-se das ideias de mulheres, sem dar–lhes os devidos créditos e reconhecimento;

– Interromper constantemente mulheres no ambiente de trabalho e/ou em atividades relacionadas ao trabalho;

– Tratar mulheres de forma infantilizada e/ou condescendente, com apresentação de explicações e/ou opiniões não solicitadas;

– Dificultar ou impedir que as gestantes compareçam a consultas médicas fora do ambiente de trabalho;

– Interferir no planejamento familiar das mulheres, sugerindo que não engravidem;

– Emitir críticas ao fato de a mulher ter engravidado;

– Desconsiderar recomendações médicas às gestantes na distribuição de tarefas;

– Desconsiderar sumária e repetitivamente a opinião técnica da mulher em sua área de conhecimento; e

– Proferir piadas de cunho sexista.

Assédio Sexual

– Conversas indesejáveis sobre sexo;

– Narração de piadas ou uso de expressões de conteúdo sexual;

– Contato físico não desejado;

– Solicitação de favores sexuais;

– Convites impertinentes;

– Pressão para participar de “encontros” e saídas;

– Exibicionismo;

– Criação de um ambiente pornográfico;

– Insinuações, explícitas ou veladas, de caráter sexual;

– Gestos ou palavras, escritas ou faladas, de caráter sexual;

– Promessas de tratamento diferenciado;

– Chantagem para permanência ou promoção no emprego;

– Ameaças, veladas ou explícitas, de represálias, como a de perder o emprego;

– Perturbação e ofensas;

– Comentários e observações insinuantes e comprometedoras sobre a aparência física ou sobre a personalidade da pessoa assediada;

– Contato físico não solicitado e além do formal, com intimidade não construída, como toques, beijos, carícias, tapas e abraços; e

– Insistência em qualquer um dos comportamentos anteriores, especialmente se houver uma relação de hierarquia ou diferença de gênero.

Discriminação

– Pagar salário menor a uma mulher que desempenhe as mesmas funções de um homem;

– Não contratar ou não promover uma pessoa em razão de sua cor, deficiência, idade, orientação sexual ou gênero;

– Ofender ou agredir em razão de sua orientação sexual ou identidade de gênero (homofobia e transfobia);

– Isolar ou excluir pessoas com deficiência de espaços sem acessibilidade;

– Não contratar, não promover, exonerar mulheres de cargos de chefia por motivos de gravidez ou licença maternidade; e

– Preterir pessoas devidamente qualificadas para o trabalho em razão de sua idade.

TIPOS DE ASSÉDIO MORAL

O Guia Lilás descreve os tipos de assédio moral, da seguinte forma:

TIPOS DE ASSÉDIO MORAL

DESCRIÇÃO

Assédio Moral Vertical

Ocorre quando há relação de hierarquia entre o(a) agressor(a) e o(a) assediado(a), podendo ser descendente ou ascendente.

Assédio Moral Horizontal

Ocorre quando o assédio é praticado entre pessoas de mesma hierarquia.

Assédio Moral Descendente

Ocorre quando o assédio é praticado por uma pessoa em posição hierárquica superior.

Assédio Moral Ascendente

Ocorre quando o assédio é praticado por uma pessoa em posição hierárquica inferior.

Assédio Moral Misto ou “Bullying Misto”

Ocorre quando, de forma coordenada, uma pessoa é assediada por superiores hierárquicos e por colegas de trabalho com os quais não possui relação de subordinação.

Assédio Moral Organizacional

Ocorre quando a organização incentiva e/ou tolera o assédio. Nesse caso, o propósito é atingir o(a) trabalhador(a) por meio de estratégias organizacionais de constrangimento, explícitas ou sutis, com o objetivo de melhorar a produtividade, reforçar o controle ou demonstrar poder. Caracteriza-se pelo processo contínuo de hostilidades, estruturado por meio da política organizacional ou gerencial, que tem como objetivo imediato aumentar a produtividade, diminuir custos, reforçar o controle ou excluir trabalhadores que a organização não deseja manter em seu quadro. Pode ser direcionado a todo o grupo ou a integrantes de determinado perfil (gestantes, por exemplo).

O PAPEL DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA AO COIBIR O ASSÉDIO MORAL

O Guia Lilás expõe de maneira bem clara que o setor público pode coibir o assédio moral por meio da adoção do seguinte:

MEDIDAS PREVENTIVAS

DETALHAMENTO

Cobrar compromisso e engajamento da alta administração

– Difundir as informações deste Guia para todos (as) os(as) servidores(as), empregados(as) e estagiários(as) e terceirizados(as) e propor ações de sensibilização, capacitação, prevenção e tratamento do assédio, garantindo os recursos necessários a essas atividades; e

– Apurar de forma célere as denúncias de assédio.

Incentivar as boas relações de trabalho nas organizações

– Promover um ambiente de trabalho solidário e cooperativo;

– Promover espaços de avaliação do clima organizacional e das relações sociais do órgão, entidade ou empresa; e

– Buscar meios de prover atendimento a servidores(as), empregados(as), estagiários(as), terceirizados(as) que apresentem mudanças de comportamento.

Promover capacitação e treinamento

– Ofertar capacitação continuada a servidores e gestores sobre violências de gênero, racismo e outras formas de discriminação;

– Realizar campanhas sistemáticas de sensibilização sobre estereótipos, microagressões, atitudes machistas cotidianas, comportamentos racistas e LGBTfóbicos, linguagem ofensiva, entre outros;

– Treinar as equipes de gestão de pessoas sobre acolhimento humanizado e sigiloso de pessoas vítimas de assédio e discriminação; e

– Treinar as equipes de ouvidoria sobre o protocolo de recebimento de denúncias e os respectivos encaminhamentos.

PREVENÇÃO DO ASSÉDIO SEXUAL PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

O Guia Lilás é novamente bem detalhado quanto às medidas preventivas que a Administração Pública pode tomar para prevenir situações de assédio sexual, conforme o quadro abaixo:

MEDIDAS PREVENTIVAS DIANTE DO ASSÉDIO SEXUAL

1. Oferecer informação sobre o que caracteriza assédio sexual e sobre os procedimentos a serem adotados em caso de assédio;

2. Fazer constar medidas de prevenção do assédio sexual no código de ética do servidor, nos contratos das empresas de terceirização, assim como dos contratos de trabalho de prestadores de serviços;

3. Fazer campanhas de sensibilização para a prática de relações respeitosas no ambiente de trabalho;

4. Instituir comitês de prevenção e enfrentamento do assédio moral e do assédio sexual no poder executivo federal;

5. Garantir a confidencialidade, a privacidade, a proteção e o acolhimento das pessoas que denunciam;

6. Garantir a lisura e o sigilo dos procedimentos;

7. Promover alterações de lotação, caso seja desejo da vítima, até o fim das apurações;

8. Avaliar constantemente as relações interpessoais no ambiente de trabalho, atentando para as mudanças de comportamento;

9. Promover ações de capacitação de gestores e servidores;

10. Promover espaços de discussão, de característica voluntária, para construir compromissos e objetivos comuns voltados para a organização do ambiente de trabalho saudável e sustentável;

11. Produzir diagnóstico e relatórios sobre a qualidade de vida e bem-estar de servidores(as) e terceirizados(as);

12. Prover pessoal qualificado nas unidades de gestão de pessoas e de saúde para acolher a vítima, sempre com confidencialidade e sigilo de informações;

13. Dispor de ouvidoria com as capacidades para acolher denúncias de maneira empática, objetiva e centrada no acolhimento da vítima; e

14. Apurar e punir as violações denunciadas.

O QUE FAZER SE HOUVER ASSÉDIO SEXUAL?

O Guia Lilás novamente orienta de forma muito clara todas as ações que devem ser adotadas por uma vítima de assédio:

AÇÕES A SEREM TOMADAS PELO ASSEDIADO SEXUALMENTE

1. Rompa o ciclo do silêncio!

2. Anote TUDO: as situações de assédio, relatando detalhes, tais como dia, local, nome da(s) pessoa(s) envolvida(s) e de testemunhas, motivos alegados e conteúdo das conversas;

3. Converse com pessoas que possam ter presenciado a situação de assédio e possam ser possíveis testemunhas;

4. Evite ficar a sós com a pessoa assediadora. Procure sempre ter a presença de outras pessoas;

5. Reúna todas as provas possíveis, tais como gravações, fotos, e-mails, bilhetes, presentes e testemunhas;

6. É fundamental falar com alguém de sua confiança, não se isole. Busque uma rede de apoio que ajude você a lidar com o ocorrido;

7. Denuncie na Ouvidoria do órgão ou entidade, e faça um boletim de ocorrência na Delegacia de Atendimento Especial à Mulher (DEAM) ou em qualquer delegacia comum;

8. Ligue 180 para fazer a denúncia do caso;

9. Em caso de terceirizada/o ou empregada/o pública/o, registre a denúncia na Delegacia Regional do Trabalho (DRT) e no Ministério Público do Trabalho (MPT).

COMO A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DEVE AGIR DIANTE DE DENÚNCIAS DE ASSÉDIO MORAL, ASSÉDIO SEXUAL OU DISCRIMINAÇÃO

O Guia Lilás preconiza como deve ocorrer o atendimento à vítima de tais atos ou a um denunciante que os tenha testemunhado. Esse atendimento deverá ter como base a garantia de privacidade, o sigilo sobre as informações prestadas, a disponibilização do tempo necessário para a escuta ativa (compreendida como aquela efetuada com a demonstração de interesse, compreensão e valorização do que o denunciante está relatando). Além disso, é importante o eventual registro da manifestação e o estabelecimento de uma relação de confiança que preze pela empatia, bem como um ambiente de escuta acolhedor e com privacidade.

O atendimento deverá ser realizado preferencialmente em dupla para que o registro das informações possa ser feito sem prejuízos ao acolhimento do denunciante. Sempre que possível, com a presença de uma mulher, buscando uma maior solidariedade, cabendo o reconhecimento dos fatores estruturais, circunstanciais e as situações de vulnerabilidades reveladas pelos marcadores sociais de gênero, classe, raça, idade, impedimento ou deficiência, religião e etnia.

Os atendimentos serão registrados e documentados na plataforma Fala.BR para que os dados quantitativos e qualitativos sejam sistematizados. Isso permite que o acompanhamento do caso seja adequado e gere periodicamente estatísticas e relatórios sobre a situação de assédio moral, sexual e discriminação na Administração Pública federal.

É importante salientar que, ao realizar uma denúncia na forma como aqui descrita, o denunciante passa a contar com uma série de proteções e garantias. Entre elas, sua denúncia será tratada pela Ouvidoria, com confidencialidade, garantindo a proteção de sua identidade, e, finalmente, a não retaliação.

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