Para refletir acerca do que pode levar pessoas boas a fazer coisas ruins, irei citar dois casos reais, ocorridos ao longo da minha carreira.
No primeiro caso, uma gerente de agência bancária, bem sucedida, pós-graduada, de excelente aparência, sempre gentil e muito simpática com os seus clientes, foi demitida por justa causa pelo banco, após uma investigação ter comprovado que a mesma desviava, com frequência, pequenas quantias, de diversas contas correntes de clientes do banco para contas de duas outras pessoas envolvidas no esquema e como se tratavam de valores pequenos, transcorreram quase seis meses até que um dos clientes notasse a subtração de pequenos valores e decidisse fazer a denúncia diretamente à alta gerência do banco, corretamente acreditando que a gerência da agência poderia ter algum envolvimento. É importante registrar que os desvios eram sempre de contas correntes de indivíduos… não havia desvios de contas correntes de empresas.
No segundo caso, um representante de uma indústria farmacêutica era responsável por vendas diretamente para hospitais e clínicas em um Estado distante. Profissional respeitado, comprometido e com excelente performance, recebendo, com frequência, premiações diversas. Em um determinado dia, o departamento de contas a receber observou que um hospital não efetuou o pagamento e acionou a área de cobrança para contatar o departamento de compras do hospital. Qual não foi a surpresa ao ouvir da gerente de compras que o hospital jamais fizera algum pedido de compra diretamente à empresa, quando, na verdade, chegavam pedidos de compra tirados por aquele representante com frequência mensal.
Diante da perplexidade de todos dentro da empresa, foi iniciada uma investigação que acabou por desvendar o mistério. Havia um conluio entre o representante, um distribuidor local e um funcionário de uma transportadora, para o representante tirar pedidos em nome de hospitais e clínicas. O distribuidor providenciava o pagamento integral do valor da compra na conta da empresa. A transportadora levava a carga e a sua chegada era comunicada ao representante que ia retirar a mesma e transferi-la diretamente para o distribuidor.
Aparentemente, tudo estava certo. A empresa vendia e recebia pelo produto, o distribuidor pagava e também recebia o produto e o representante concretizava mais uma venda em seu território. Perfeito? Não… Primeiramente, a venda para hospitais e clínicas gozava de um desconto maior do que o desconto concedido para distribuidores. Além disso, em razão da substituição tributária, o ICMS tinha que ser adicionado ao preço e cobrado antecipadamente do distribuidor e o mesmo não ocorria para o hospital ou clínica. Por isso, o nome de hospitais e clínicas era utilizado, quando quem era o comprador, na verdade, era um distribuidor. E o representante era comissionado por isso, passando a ter um patrimônio não condizente com a sua renda.
O resultado disso, além do choque causado internamente ao seus colegas e superiores, é que o representante foi demitido por justa causa, tendo sido lavrado um boletim de ocorrência em face do mesmo, por estelionato. O representante ainda tentou reintegrar-se judicialmente à empresa, mas não conseguiu.
Essas são apenas duas de inúmeras estórias, nas quais a má-conduta acaba ocorrendo, por indivíduos acima de qualquer suspeita, encerrando precocemente carreiras promissoras.
Nos casos acima, identifica-se prontamente a deficiência nos controles internos tanto do banco, quanto da indústria farmacêutica, eis que ambas as situações poderiam ter sido evitadas, se os controles fossem efetivos.
Outra razão para as má-condutas apontadas foi a ganância de ambos os profissionais, não satisfeitos com sua remuneração e buscando o enriquecimento de uma forma mais rápida, desprezando para isso a licitude e a conduta ética em suas ações.
Seriam a ausência de controles internos e a ganância os únicos fatores para levar uma boa pessoa a fazer coisas ruins? Logicamente que não.
O estudioso da ética Muel Kaptein, por exemplo, após realizar uma pesquisa com gestores e empregados, enumerou sete fatores que mitigam eficazmente a má-conduta no ambiente de trabalho:
- Clareza para diretores, gerentes e funcionários sobre o que constitui um comportamento desejável e indesejável: quanto mais claras as expectativas, melhor as pessoas sabem o que devem fazer e maior a probabilidade de fazê-lo.
- Liderança pelo exemplo por parte de administradores, gerência ou supervisores imediatos: quanto melhores os exemplos dados em uma organização, melhor as pessoas se comportam, ao passo que quanto pior o exemplo, pior o comportamento.
- Metas, tarefas e responsabilidades definidas e atingíveis: quanto mais as pessoas estão engajadas em uma organização, melhor elas são capazes de fazer o que se espera delas.
- Compromisso por parte dos diretores, gerentes e funcionários da organização: quanto mais a organização trata seu pessoal com respeito e as envolve na organização, mais ele tenta servir aos interesses da organização.
- Transparência do comportamento: quanto melhor as pessoas observam o comportamento próprio e de outras pessoas e seus efeitos, mais levam isso em consideração e melhor conseguem controlar e ajustar seu comportamento às expectativas dos outros.
- Abertura à discussão de pontos de vista, emoções, dilemas e transgressões: quanto mais espaço as pessoas na organização têm para falar sobre questões morais, mais elas fazem isso e mais aprendem umas com as outras.
- Resposta ao comportamento, como apreciação ou até recompensa por comportamento desejável, medidas disciplinares por comportamento indesejável e até que ponto as pessoas aprendem com erros, omissões, incidentes e acidentes: quanto melhor a resposta, mais pessoas tendem ao que será recompensado e evitam o que será punido.
Com efeito, são reflexões coerentes que certamente podem mitigar más-condutas na organização.
Dois aspectos muito importantes em qualquer organização trazidos pelo professor Muel Kaptein, é a liderança pelo exemplo e a adoção de maneira eficiente do reconhecimento e das medidas disciplinares, conforme o caso. Sem a adoção de tais fatores, é muito improvável que a má-conduta não venha a eventualmente prosperar na organização.
Outra percepção interessante é a da psicóloga Christine Hammond, que enumera sete razões pelas quais seus pacientes incorreram em más-condutas, adicionando uma breve descrição a cada caso:
- Mágoa. Hailey deixou o quarto de hotel em estado de choque. Os eventos da noite anterior de bebedeira estavam voltando ao foco. Ela estava fora da cidade em uma reunião de negócios, a primeira desde o nascimento de seu segundo filho. Ela parou no bar do hotel e uma coisa levou a outra, resultando em sua traição ao parceiro. Mas, à medida que os efeitos do álcool desapareciam, a dor retornava. Ela sentiu como se estivesse falhando no trabalho, como mãe e como esposa. Desesperada para escapar da dor, ela se voltou para o álcool e a companhia de um estranho cujas expectativas eram mínimas.
- Medo. Ralph desistiu de pornografia depois que sua esposa o confrontou sobre isso. Depois de ver como isso a machucava, ele concordou em se abster pelos últimos dez anos. Mas agora ele se encontrava tarde da noite conversando com uma mulher que conheceu através de um site pornô para marcar uma reunião. Aconteceu tão rápido, mas enquanto ele se afastava da casa, ele se pegou como se estivesse acordando de um sonho. Seus medos voltaram em uma avalanche de paranoia. A mesma coisa da qual ele estava tentando fugir agora estava mais intensa do que nunca. Convencido de que todos na estrada sabiam o que estava fazendo, ele ligou subitamente para a esposa e o medo o paralisou, resultando em um acidente de carro.
- Insegurança. “Acho que não sou bom o suficiente”, disse Samantha, furiosa, depois de uma reunião na qual a promoção de uma colega de trabalho subordinada foi anunciada. Ela voltou ao seu escritório, bateu a porta e começou a jogar objetos. Samantha se enfureceu tão alto de propósito, apenas para que outros pudessem ouvir. Normalmente calma, amigável e ansiosa para agradar, seu comportamento chocou seus colegas de trabalho. Mas todas as vezes que Samantha era preterida por um prêmio, honra e até deixando de ser a oradora oficial, o resultado era um acesso de fúria, que mascarava sua profunda insegurança de não ser boa o suficiente.
- Inclusão. Desesperado para ganhar a aprovação de uma nova multidão de amigos, Carl furtou uma loja de jogos. Eles o estavam desafiando por um tempo e até mostraram a ele como era fácil fazê-lo. Mas Carl conseguiu resistir à pressão deles porque sabia que estava errado. No entanto, ele estava cansado de se sentir sozinho e queria tanto manter o relacionamento com essa nova multidão que se justificou roubar o jogo. Mas, em vez de se sentir mais incluído, ironicamente, ele se sentiu mais isolado e nunca jogou o jogo que roubou.
- Exclusão. Larry estava tão envolvido com sua imagem de auto-justiça que se perdeu completamente na ironia do momento. Ele disse a si mesmo que o motivo pelo qual estava indo ao clube de striptease era para provar que estava errado e, de alguma forma, ele não seria afetado por isso. Ele estava indo lá para testemunhar os outros e dizer a eles o quão ruim era eles estarem lá. Ao se esforçar para provar que ele era diferente de outro grupo de pessoas, ele se tornou igual a eles. Ele que queria ser excluído, estava agora incluído.
- Culpa. Por anos, Grace carregou o segredo de que ela foi molestada quando criança. Ela se culpou por estar sozinha com seu tio e assumiu a maior parte das responsabilidades por suas ações. Mas aqui ela estava discutindo com o seu marido para lidar com a incapacidade dela de fazer sexo com ele. Mais uma vez, ela estava assumindo a culpa do marido por traí-la e se culpando.
- Vergonha. Sempre protetor de seu passado, Matt escondeu de todos que ele foi abusado fisicamente quando criança. A vergonha que sentiu pelo abuso de sua mãe foi tão intensa que ele fez de tudo para encobri-lo. Mas assim que ele se tornou pai, começaram a surgir memórias. Ele parou de bater em seu próprio filho com uma régua da mesma maneira que sua mãe costumava fazer com ele. Voltando à realidade, Matt desmoronou, percebendo que ele tinha o mesmo potencial de ser tão abusivo quanto sua mãe.
Os relatos apontados por Christine Hammond acima, demonstram que as pessoas podem ter desvios em sua conduta ética não somente no mundo corporativo, mas também em sua vida privada e, o que é mais interessante, alguns desvios na vida privada, podem impactar dramaticamente a conduta ética do profissional no seu ambiente de trabalho.