Os institutos de pesquisa e o conflito de interesses

October 10, 2022

Ultrapassado o primeiro turno das eleições no Brasil em 2 de outubro de 2022, onde houve a eleição de alguns governadores, senadores, deputados federais e estaduais, em meio a uma disputa acirrada pela presidência da República, eis que a grande vedete foram os institutos de pesquisa. Eles conseguiram chamar para si a atenção da sociedade que, até então, discutia se a urna eletrônica era confiável ou não, já que, para alguns, ela não seria auditável; ao passo que, para outros, ela seria segura pois nem sequer teria conexão com a internet.

A propósito, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), atualmente 23 países utilizam urnas com tecnologia eletrônica para eleições gerais; outros 18 as utilizam em eleições regionais. São os seguintes:

Fonte: https://www.idea.int/news-media/media/use-e-voting-around-world

A despeito da acirrada discussão sobre a segurança das urnas eletrônicas para a garantia lídima e escorreita do processo eleitoral, os resultados no primeiro turno das eleições demonstraram algo estarrecedor, ou seja, a incapacidade ou ainda a claudicante falta de acuracidade dos institutos de pesquisa em demonstrar as tendências do eleitorado; afinal, é para isso que eles existem, segundo os depoimentos trazidos à lume pela própria associação que os representa.

Embora a maior discussão tenha focado a eleição para o cargo de Presidente da República, em que os números foram desastrosos para um dos candidatos mais votados, e imprecisos, em sua maior parte, para o outro candidato mais votado, a sequência de equívocos ocorreu em pesquisas para praticamente todos os cargos públicos elegíveis. Governadores que estariam com vantagem folgada perderam suas eleições, ao passo que senadores já eleitos viram suas pretensões se pulverizarem na imprecisão das pesquisas.

Em qualquer empresa do setor privado, falhas grotescas como as que ocorreram seriam suficientes para uma restruturação completa de seus colaboradores. Mas a questão não pode ser analisada de forma tão simplória e comezinha.

Há alguns anos, as empresas de auditoria começaram a ser contestadas por misturar consultorias e prestações de serviços com auditoria – sempre pairou dúvida sobre a questão contraditória de uma empresa auditar o serviço que ela mesma prestou. Não é preciso ser um especialista em contabilidade para saber que tal situação revela um vetusto conflito de interesses, já que a empresa, no papel de auditora, tende a não revelar irregularidades apuradas em serviços desenvolvidos por outra equipe sua.

Não é à toa que houve até mesmo o desmembramento de empresas de auditoria, que se dividiram – enquanto uma continuou com a auditoria, a outra passou apenas a desempenhar a consultoria e as prestações de serviços. Outras implantaram o “chinese wall” ou o “information wall”, no qual grupos de trabalho são segregados e desconhecem o trabalho do outro grupo, embora o cliente possa ser o mesmo.

O que aconteceu com as empresas de auditoria ocorre hoje com grande parte dos institutos de pesquisa, que prestam serviços para grandes grupos de mídia, mas também para partidos políticos, grupos econômicos simpatizantes a uma causa e até mesmo, para candidatos a cargo político.

Em compliance, ou seja, na ética corporativa, existe uma máxima chamada de “ser e parecer”. Como um instituto de pesquisa que recebe a encomenda de um trabalho por parte de um partido político ou de um grupo de apoio à eleição de determinado candidato pode avocar a neutralidade e a imparcialidade ao divulgar suas pesquisas para um grande grupo de mídia? Sem sombra de dúvida, a questão reside em um tormentoso conflito de interesses.

A diferença para as empresas de auditoria é que essas têm que cumprir com uma série de requisitos legais, ao passo que a atuação dos institutos de pesquisa é empreendida sem qualquer fiscalização ou monitoramento do TSE ou de qualquer outro órgão ou agência sobre os critérios utilizados.

O que é mais grave, no caso dos institutos de pesquisa, é que seu resultado equivocado pode impactar tremendamente o eleitorado a votar em prol de um ou de outro candidato, interferindo profundamente no processo eleitoral de forma parecida às “fake news”.

Caso se constate que os equívocos foram dolosos, em virtude do benefício de algum cliente que pagou polpudas somas pelo serviço, é preciso sim apurar a responsabilidade penal dos responsáveis pela interferência ilícita no resultado das eleições. Aliás, no caso da votação para o cargo de Presidente da República no primeiro turno, enquanto o grupo da direita reclamou que os erros deliberados nos resultados estatísticos para o seu candidato o prejudicaram sobremaneira, o grupo da esquerda reclamou que muitos eleitores de candidatos com menor potencial de voto perderam votos em favor do candidato da direita, para evitar a vitória do seu candidato em primeiro turno. O fato é que ambos os lados manifestaram sua insatisfação com a falta de acuracidade das pesquisas.

De todo esse imbróglio, restam apenas três certezas: (i) os institutos de pesquisa precisam rever seus critérios estatísticos, já que seus resultados têm sido sofríveis, (ii) é necessário maior controle e monitoramento dos institutos de pesquisa, pois sua atuação dolosa ou culposa pode interferir sim na retidão do processo eleitoral e (iii) é preciso regulamentar a atuação dos institutos de pesquisa, estabelecendo o regramento básico que deve ser seguido pelos mesmos, mitigando o conflito de interesses e impedindo a influência perniciosa e equivocada do eleitor.

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A propósito, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), atualmente 23 países utilizam urnas com tecnologia eletrônica para eleições gerais; outros 18 as utilizam em eleições regionais. São os seguintes:

Fonte: https://www.idea.int/news-media/media/use-e-voting-around-world

A despeito da acirrada discussão sobre a segurança das urnas eletrônicas para a garantia lídima e escorreita do processo eleitoral, os resultados no primeiro turno das eleições demonstraram algo estarrecedor, ou seja, a incapacidade ou ainda a claudicante falta de acuracidade dos institutos de pesquisa em demonstrar as tendências do eleitorado; afinal, é para isso que eles existem, segundo os depoimentos trazidos à lume pela própria associação que os representa.

Embora a maior discussão tenha focado a eleição para o cargo de Presidente da República, em que os números foram desastrosos para um dos candidatos mais votados, e imprecisos, em sua maior parte, para o outro candidato mais votado, a sequência de equívocos ocorreu em pesquisas para praticamente todos os cargos públicos elegíveis. Governadores que estariam com vantagem folgada perderam suas eleições, ao passo que senadores já eleitos viram suas pretensões se pulverizarem na imprecisão das pesquisas.

Em qualquer empresa do setor privado, falhas grotescas como as que ocorreram seriam suficientes para uma restruturação completa de seus colaboradores. Mas a questão não pode ser analisada de forma tão simplória e comezinha.

Há alguns anos, as empresas de auditoria começaram a ser contestadas por misturar consultorias e prestações de serviços com auditoria – sempre pairou dúvida sobre a questão contraditória de uma empresa auditar o serviço que ela mesma prestou. Não é preciso ser um especialista em contabilidade para saber que tal situação revela um vetusto conflito de interesses, já que a empresa, no papel de auditora, tende a não revelar irregularidades apuradas em serviços desenvolvidos por outra equipe sua.

Não é à toa que houve até mesmo o desmembramento de empresas de auditoria, que se dividiram – enquanto uma continuou com a auditoria, a outra passou apenas a desempenhar a consultoria e as prestações de serviços. Outras implantaram o “chinese wall” ou o “information wall”, no qual grupos de trabalho são segregados e desconhecem o trabalho do outro grupo, embora o cliente possa ser o mesmo.

O que aconteceu com as empresas de auditoria ocorre hoje com grande parte dos institutos de pesquisa, que prestam serviços para grandes grupos de mídia, mas também para partidos políticos, grupos econômicos simpatizantes a uma causa e até mesmo, para candidatos a cargo político.

Em compliance, ou seja, na ética corporativa, existe uma máxima chamada de “ser e parecer”. Como um instituto de pesquisa que recebe a encomenda de um trabalho por parte de um partido político ou de um grupo de apoio à eleição de determinado candidato pode avocar a neutralidade e a imparcialidade ao divulgar suas pesquisas para um grande grupo de mídia? Sem sombra de dúvida, a questão reside em um tormentoso conflito de interesses.

A diferença para as empresas de auditoria é que essas têm que cumprir com uma série de requisitos legais, ao passo que a atuação dos institutos de pesquisa é empreendida sem qualquer fiscalização ou monitoramento do TSE ou de qualquer outro órgão ou agência sobre os critérios utilizados.

O que é mais grave, no caso dos institutos de pesquisa, é que seu resultado equivocado pode impactar tremendamente o eleitorado a votar em prol de um ou de outro candidato, interferindo profundamente no processo eleitoral de forma parecida às “fake news”.

Caso se constate que os equívocos foram dolosos, em virtude do benefício de algum cliente que pagou polpudas somas pelo serviço, é preciso sim apurar a responsabilidade penal dos responsáveis pela interferência ilícita no resultado das eleições. Aliás, no caso da votação para o cargo de Presidente da República no primeiro turno, enquanto o grupo da direita reclamou que os erros deliberados nos resultados estatísticos para o seu candidato o prejudicaram sobremaneira, o grupo da esquerda reclamou que muitos eleitores de candidatos com menor potencial de voto perderam votos em favor do candidato da direita, para evitar a vitória do seu candidato em primeiro turno. O fato é que ambos os lados manifestaram sua insatisfação com a falta de acuracidade das pesquisas.

De todo esse imbróglio, restam apenas três certezas: (i) os institutos de pesquisa precisam rever seus critérios estatísticos, já que seus resultados têm sido sofríveis, (ii) é necessário maior controle e monitoramento dos institutos de pesquisa, pois sua atuação dolosa ou culposa pode interferir sim na retidão do processo eleitoral e (iii) é preciso regulamentar a atuação dos institutos de pesquisa, estabelecendo o regramento básico que deve ser seguido pelos mesmos, mitigando o conflito de interesses e impedindo a influência perniciosa e equivocada do eleitor.

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