Enquanto alguns países atuam de forma claudicante no combate à corrupção, o Brasil conseguiu verdadeira proeza nos últimos anos, fazendo pior: 1. Conseguiu desconstruir a operação “lava jato”, símbolo mais pujante do combate à corrupção já feito até hoje no país e 2. Consagrou a impunidade aos agentes públicos que cometem atos de improbidade administrativa, ao sancionar a Lei 14.230 de 31.03.2022, já que a partir de então, agentes públicos não podem mais ser responsabilizados por danos causados por imprudência, negligência ou imperícia, visto que apenas o dolo (a intenção de fazer ou deixar de fazer) caracteriza a improbidade, nos delitos correspondentes tipificados na lei. Prato cheio para a turma do “eu não sei”… Quem quiser que se vire para provar que o agente fez o ato intencionalmente…
Corrupção é um delito em que não há uma vítima direta ou um lesado específico. Geralmente, segmentos da sociedade ou até mesmo a sociedade em geral é lesada. Quando, por exemplo, o poder público compra um determinado equipamento hospitalar com sobrepreço, porque o responsável pela compra está ganhando uma vantagem pessoal, o povo que paga os pesados tributos impostos pelo Estado é lesado. Quando uma escola deveria ser construída em 12 (doze) meses e após esse prazo, ainda está na etapa de estaqueamento e fundações, os pais que precisariam daquela para oportunidade para o estudo dos filhos, são os que sofrem, porque não terão a disponibilidade da referida escola para o estudo de suas crianças. Mas será que esses pais cobrarão das autoridades a responsabilização daqueles que causaram tal atraso e não empregaram os recursos recebidos da maneira apropriada? Claro que não! Esses pais, na maior parte das vezes, sequer tem informação disponível para saber a respeito do cronograma de obras daquela escola e que seu filho poderia estar lá. Resta ao combalido Ministério Público a tarefa hercúlea de defender o erário, a sociedade e buscar a punição dos responsáveis.
Nos casos de corrupção e suborno, sempre haverá a figura do(s) corruptor(es) e do(s) corrupto(s). Não existe um, sem que exista o outro. Essa máxima é de suma importância para entender que o combate à corrupção e ao suborno tem que levar em consideração os dois extremos, ou seja, a iniciativa privada e o serviço público. Atuar em apenas um dos lados, significa o fracasso retumbante, já que o lado impune, desviará sua atenção para outro agente que possa sustentar o ato delituoso e assim, continuar recebendo os benefícios decorrentes de sua atuação.
Isso porque diferentemente de países como o Reino Unido e o Chile, o Brasil ainda não tipifica como crime a corrupção ou o suborno na iniciativa privada. O que estão esperando para fazê-lo???
A propósito, em 24.12.2019, foi sancionada a Lei 13.964, que incorporou no direito brasileiro a figura do informante (o soprador de apito), ou seja, aquele que tendo ciência de um delito, poderia denunciá-lo às autoridades, sendo-lhe garantido: (i) proteção integral contra retaliações, estabelecendo sanções específicas para aquele que retaliar; (ii) isenção de responsabilização civil ou penal em relação ao seu relato de boa-fé; (iii) preservação da identidade e (iv) possibilidade de ser fixada uma recompensa em seu favor de até 5% do valor recuperado, quando suas informações resultarem em recuperação de produto do crime contra a administração pública (governo).
Fora os poucos abnegados profissionais e estudantes do direito que já tiveram contato com esse tema, será que a sociedade já ouviu falar disso? Em algum momento foi dada alguma explicação por parte das autoridades a respeito de qual seria o canal para as denúncias? Como as garantias explicitadas acima se aplicariam? Já houve algum caso que ganhou repercussão na mídia, originado por parte de um informante? A resposta para essas e outras perguntas congêneres é NÃO!
Indaga-se porque um instituto tão eficaz em alguns países não é estimulado por nenhum dos 3 (três) poderes no Brasil. É patente a impossibilidade e ineficiência do Estado em combater corrupção e suborno por todo o o país, pela ausência de recursos financeiros e humanos necessários. É patente que os casos que vêm a conhecimento público e da mídia são a ponta de um iceberg dantesco que assola infelizmente o Brasil.
A verdade é que, enquanto não houver vontade política daqueles que estão no poder em combater efetivamente a corrupção, a figura do informante continuará a ser letra morta e ignorada pela sociedade que a desconhece.
É triste, mas é verdadeira a frase de uma ex-deputada do Rio de Janeiro, Cidinha Campos: – A corrupção desse país está no DNA! Para mudar isso, ações preventivas e repressivas precisam ser implementadas, mas é insofismável o papel relevante do informante para ganhar esse jogo.