Um simples presente seria capaz de causar uma grande dor de cabeça para uma empresa? Dependendo da situação e das partes envolvidas, certamente!
Enquanto, em certas circunstâncias, um presente pode ser visto como um gesto de gentileza e cortesia com o próximo, em outras circunstâncias o mesmo presente, do mesmo valor, pode ser caracterizado no mínimo como um fator grave de conflito de interesses, podendo chegar à instrumentalização de um ato de corrupção.
Logo, qualquer organização que não estabeleça regras internas para normatizar o recebimento de presentes por parte de seus colaboradores e a oferta de presentes a terceiros, especialmente clientes e parceiros de negócios, corre um sério risco de se ver diante de alguma situação que venha a lhe acarretar prejuízos de natureza financeira ou danos de natureza moral.
Duas das funções mais em evidência na questão de presentes são as assistentes de diretoria e gerência e os profissionais da área de Compras. Assistentes de diretoria e gerência chegam a receber como presentes passagens aéreas, estadias em hotel no Brasil ou no estrangeiro, programas de entretenimento etc. – afinal, são essas as profissionais que acabam por vezes sugerindo a contratação e reservas de passagens aéreas e hotéis, principalmente para os executivos a que assistem.
Já os profissionais das áreas de Compras são aqueles que acabam determinando o fornecedor que irá prover bens ou serviços necessários para a empresa. Dependendo das normas internas e critérios preestabelecidos, a autonomia de decisão desses profissionais ganha muita relevância, passando a torná-los alvos de fornecedores mal-intencionados, que não medem esforços para ganhar o cliente, mesmo que “comprando” a decisão do referido profissional.
Quando a empresa deixa de estabelecer critérios claros, transparentes e bem definidos, a subjetividade acaba trazendo um sério risco. Faz-me lembrar da estória de um executivo que trabalhava em um setor de negócio extremamente corrupto e que, após algum tempo trabalhando daquela forma, passou a considerar a corrupção algo normal, parte da rotina de trabalho.
Diante dos riscos aventados acima, o que poderia ser feito? Para responder a essa pergunta, sugiro a adoção de medidas indicadas pela Transparência Internacional e também pelas autoridades francesas da AFA, no âmbito de aplicação da Lei Anticorrupção Francesa – Sapin II.
Com respeito à Transparência Internacional, são sugeridos os seguintes critérios a serem observados:
Com respeito à francesa AFA, a mesma publicou o Guia de Presentes e Entretenimento, trazendo algumas recomendações muito importantes, começando pela elaboração de uma política que estabeleça critérios bem definidos para normatizar presentes e entretenimento. Para tanto, sugere as seguintes recomendações:
1. Criar a definição e ilustrar com exemplos de presentes e entretenimento.
2. Determinar os critérios legítimos de oferta e aceitação de presentes.
3. Listar as condições nas quais é possível ofertar ou aceitar presentes e entretenimento.
4. Definir as regras internas de aprovação e rastreabilidade.
5. Organizar as responsabilidades e os papeis de cada um.
A AFA também definiu os seguintes critérios para a oferta ou recebimento de presentes:
1. são autorizados pela(s) lei(s) aplicável(is);
2. não são solicitados pelo beneficiário;
3. não visam obter compensação ou vantagem indevida;
4. não têm a intenção de influenciar uma decisão e, portanto, não são praticados em um momento estratégico (exemplo: licitação em andamento, assinatura de acordos, votação, concessão de autorizações, obtenção de contratos, modificação de legislação ou regulamentos etc.);
5. o beneficiário não deve exercer um poder de decisão sobre uma decisão antecipada ou pendente que afete os interesses da organização;
6. são ocasionais no que diz respeito à atividade profissional;
7. não causam constrangimento se forem revelados publicamente;
8. são realizados dentro de um quadro estritamente profissional;
9. são registrados nos livros e registros da organização (exemplo: cadastro de brindes oferecidos e recebidos).
Finalmente, outro ponto a chamar a atenção sobre o referido guia é o estabelecimento de quatro níveis de controle, para garantir que os presentes não se transformem em instrumento de conflito de interesses ou de corrupção:
Portanto, não há desculpas para deixar de fazer a coisa certa. Basta haver o comprometimento com princípios éticos e o exemplo da alta gerência da empresa.