Na última quarta-feira (21/9), a imprensa alardeou a sanção de uma nova lei, especialmente o site G1, informando que as operadoras de planos de saúde seriam obrigadas a cobrir tratamentos fora do rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
Esse é mais um capítulo na acirrada disputa entre planos de saúde e pacientes, mediada pelas autoridades. Os primeiros alegam desequilíbrio na sua saúde financeira, ao passo que os segundos reclamam de falta de cobertura e do valor excessivo na sua manutenção.
Em 8 de junho, conforme expusemos em um texto nesse blog, a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), nos autos do EREsp 1.886.929 e do EREsp 1.889.704, entendeu – por 6 votos (ministros Luis Felipe Salomão, Vilas Bôas Cueva, Raul Araújo, Isabel Gallotti, Marco Buzzi e Marco Aurélio Bellizze) a 3 (ministros Nancy Andrighi, Paulo de Tarso e Moura Ribeiro) – ser taxativo, em regra, o rol de procedimentos e eventos estabelecido pela ANS, não estando as operadoras de saúde obrigadas a cobrirem tratamentos não previstos na lista, salvo algumas exceções, como produtos oncológicos, com recomendação expressa do CFM, e com prescrição off label (mas efetividade e perfil de segurança garantidos).
Esta lei, na verdade, é a Lei 14.454 de 21.9.2022, que alterou a Lei 9.656 de 3.6.1998, que regulamenta os planos privados de assistência à saúde.
A Lei 14.454/2022 é pequena, mas traz alterações profundas na relação dos planos de saúde com os pacientes.
A primeira inovação é sujeitar a relação dos serviços prestados pelos planos de saúde ao Código de Defesa do Consumidor (CDC). Sempre houve a discussão se o CDC seria aplicado ou não à relação entre paciente e plano de saúde, na medida em que havia corrente jurisprudencial (de decisões de tribunais superiores) que entendia não ser cabível a aplicabilidade do CDC, questionando inclusive se haveria uma relação de consumo. Agora, não há mais tal discussão, visto que se tornou obrigatória a tutela do CDC à relação entre pacientes e planos de saúde.
Além disso, três novas diretrizes alteram significativamente essa relação frequentemente conturbada entre pacientes e planos de saúde:
1. A amplitude das coberturas no âmbito da saúde suplementar, inclusive de transplantes e de procedimentos de alta complexidade, será estabelecida em norma editada pela ANS, que publicará rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar, atualizado a cada incorporação.
2. O rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar, atualizado pela ANS a cada nova incorporação, constitui a referência básica para os planos privados de assistência à saúde contratados a partir de 1º de janeiro de 1999 e para os contratos adaptados a esta Lei e fixa as diretrizes de atenção à saúde.
3. Em caso de tratamento ou procedimento prescrito por médico ou odontólogo assistente que não estejam previstos no rol da ANS, a cobertura deverá ser autorizada pela operadora de planos de assistência à saúde desde que (i) exista comprovação da eficácia, à luz das ciências da saúde, baseada em evidências científicas e plano terapêutico; ou (ii) existam recomendações pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), ou exista recomendação de, no mínimo, 1 (um) órgão de avaliação de tecnologias em saúde que tenha renome internacional, desde que sejam aprovadas também para seus nacionais.
De todo o exposto acima, certamente o mais importante é que os tratamentos previstos no rol da ANS voltam a ser exemplificativos, devendo os planos de saúde cobrir as enfermidades dos pacientes segurados independentemente de qual seja o tratamento.
Nas próprias inovações, entretanto, existe uma limitação que se refere ao tratamento ou procedimento escrito por médico ou odontólogo assistente que não esteja previsto no rol da ANS, cuja cobertura somente deverá ser autorizada pela operadora de planos de saúde desde que exista comprovação da eficácia ou exista recomendações pela Conitec ou de pelo menos um órgão de avaliação de tecnologias em saúde que tenha renome internacional. Com efeito, a questão-chave desse dispositivo é a conjunção OU no lugar da conjunção E. Se a conjunção fosse E, seria necessária, além da comprovação da eficácia, também a recomendação pela Conitec ou por um órgão internacional. Da forma como se encontra o texto, no entanto, basta a comprovação da eficácia (ex: aprovação por uma agência regulatória reconhecida de outro país, estudo científico etc.) ou a aprovação pela Conitec ou por outro órgão internacional.
Para o paciente, indubitavelmente é um conforto muito grande poder saber que seu plano de saúde não poderá negar atendimento, alegando que o tratamento não se encontra no rol da ANS.
Todavia, e para o equilíbrio financeiro dos planos de saúde? A grande verdade é que nem o plano de saúde, nem as autoridades e nem o próprio paciente são capazes de diagnosticar precocemente as possíveis enfermidades a que cada um está sujeito e que possivelmente vai desenvolver nos próximos anos. Por outro lado, as áreas financeiras e de farmacoeconomia dos planos de saúde já sabem quais são os grandes sorvedouros de recursos: internações hospitalares prolongadas, tratamento de doenças raras, medicamentos de alto custo, tecnologias inovadoras etc.
Cabe aos planos de saúde centrar seus esforços em trabalhar com as autoridades, e especialmente com a ANS e o próprio Ministério da Saúde, no sentido de estabelecer diretrizes, seja pela edição de leis ou atos administrativos que tentem minimizar ou mesmo limitar o impacto das situações que agravam o desequilíbrio financeiro dos planos de saúde, revendo desde tributação a protocolos clínicos.
Não é tarefa fácil. Afinal, se fosse, o problema já estaria resolvido…