SEC Combate Retaliação de Empresas Contra Informantes

September 20, 2024

Desde a aprovação da Dodd-Frank Act em 2010, nos Estados Unidos, o papel do informante, popularmente conhecido como soprador de apito (whistleblower), tem se mostrado fundamental para auxiliar as autoridades a coibir fraudes, atos de suborno e violações à lei. Isso ocorre pois o Estado não possui pessoal nem recursos suficientes para monitorar eficientemente o mercado, de maneira geral.

Por outro lado, não é à toa que os Estados Unidos se destacam no mundo com os programas de compliance mais sofisticados e solidamente estruturados do mundo. Diferentemente de outros países, o risco de um problema mais sério causado por uma má conduta é provável de se originar dentro da própria empresa através de um informante. Dessa forma, torna-se inútil ter um código de ética e meia dúzia de políticas e procedimentos se, com efeito, o programa de compliance não for efetivo e os funcionários não tiverem a orientação clara para fazer o certo e quais serão as consequências para quem desejar fazer o errado. Sem essa efetividade, a empresa pode estar sujeita a sérios problemas com as autoridades, podendo acarretar consequências sérias, seja em seu bolso, seja na sua reputação.

Em 9 de setembro de 2024, a Securities & Exchange Commission (SEC – a Comissão de Valores Mobiliários americana) anunciou acusações contra sete empresas que estariam utilizando-se de acordos modificando contratos de trabalho, desligamentos e outras iniciativas. Essas modificações violavam regras contra retaliação, com o claro propósito de impedir que informantes relatassem potenciais más condutas à SEC. Em contraste, em dos principais pilares da criação das regras do Dodd-Frank Act para remunerar o informante foram as salvaguardas contra possíveis retaliações da sua empresa.

Assim, a SEC penalizou civilmente as seguintes empresas, em um total de mais de 3 milhões de dólares:

Empresa

Valor da Penalidade

1. Acadia Healthcare Company, Inc.

USD $ 1.386.000,00

2. Brands Holding Corp.

USD $ 399.750,00

3. AppFolio, Inc.

USD $ 692.250,00

4. Idex Corporation

USD $ 75.000,00

5. LSB Industries

USD $ 156.000,00

6. Smart for Life, Inc.

USD $ 19.500,00

7. TransUnion

USD $ 312.000,00

As Regras de Proteção ao Informante

Quem já se deu ao trabalho de tentar ler a lei Dodd-Frank Act vai ter uma surpresa, considerando a extensão do seu conteúdo, que se assemelha em proporção, ao tamanho de um código civil brasileiro.

Todas as normas que versam sobre a proteção do informante estão contidas na Seção 922 da referida lei e servem de exemplo para diversas nações que desejem implementar a figura do informante, mas que falharam em determinar as garantias para que o ele possa desempenhar seu papel, por exemplo, Brasil e França. Dessa forma, evidencia-se que, ao menos nesses dois países, a figura do informante é decorativa na lei e não funciona na prática, pois ninguém irá colocar o seu emprego em risco sem o incentivo e as garantias efetivamente proporcionadas pelo Estado.

Além da Seção 922 da Dodd-Frank Act acima descrita, a SEC expediu a Regra §240 21F-17(a) que proíbe qualquer pessoa de tomar uma  ação que impediça um informante de contatar a SEC diretamente para relatar uma possível violação da lei de valores mobiliários.

Ambos os dispositivos serão objeto de um artigo específico a ser feito em futuro breve.

A figura do Informante no Brasil

No Brasil, a figura do informante foi convertida em lei, por meio do pacote anticrime do ex-Ministro Sérgio Moro. Criou-se então a Lei nº 13.964, de 24 de dezembro de 2019, que acabou concedendo ao informante os seguintes direitos:

Tema

Definição

Preservação da Identidade

O informante terá direito à preservação de sua identidade, a qual apenas será revelada em caso de relevante interesse público ou interesse concreto para a apuração dos fatos. A revelação da identidade somente será efetivada mediante comunicação prévia ao informante e com sua concordância formal.

Proteções ao Informante

Além das medidas de proteção previstas na Lei nº 9.807, de 13 de julho de 1999 (Lei de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas), será assegurada ao informante proteção contra ações ou omissões praticadas em retaliação ao exercício do direito de relatar, tais como demissão arbitrária, alteração injustificada de funções ou atribuições, imposição de sanções, de prejuízos remuneratórios ou materiais de qualquer espécie, retirada de benefícios, diretos ou indiretos, ou negativa de fornecimento de referências profissionais positivas.

A quem Relatar

A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios e suas autarquias e fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista manterão unidade de ouvidoria ou correição, para assegurar a qualquer pessoa o direito de relatar informações sobre crimes contra a administração pública, ilícitos administrativos ou quaisquer ações ou omissões lesivas ao interesse público.

Consequências em Virtude de Retaliação

A prática de ações ou omissões de retaliação ao informante configurará falta disciplinar grave e sujeitará o agente à demissão a bem do serviço público. O informante será ressarcido em dobro por eventuais danos materiais causados por ações ou omissões praticadas em retaliação, sem prejuízo de danos morais.

Recompensa ao Informante

Quando as informações disponibilizadas resultarem em recuperação de produto de crime contra a administração pública, poderá ser fixada recompensa em favor do informante em até 5% do valor recuperado.

Como é possível visualizar acima, existem deficiências que impedem qualquer informante, em sã consciência, de fazer alguma denúncia, no Brasil. A tabela a seguir exemplifica esses problemas:

Tema

Deficiência

Preservação da Identidade

Revelar a identidade de um informante é um erro crasso. Ainda que o legislador tenha tentado acrescentar a necessidade da sua concordância formal, em um ambiente de tensão, a própria autoridade pode coagi-lo a aceitar, sob ameaça. Revelada a sua identidade, será muito difícil para uma autoridade garantir sequer a sua segurança.

A Quem Relatar

A falta de uma agência específica e a descentralização para as ouvidorias é um problema sério, considerando que as ouvidorias não são preparadas para prover as garantias ao informante.

Consequências em Virtude de Retaliação

O legislador tipifica a prática de ações ou omissões de retaliação ao informante como falta disciplinar grave contra a administração pública e sujeita o agente à demissão a bem do serviço público. Porém, não se espera retaliação por parte do serviço público e sim da empresa, onde o informante exerce a sua função. Ainda que possa haver informantes dentro do serviço público, o Estado desperdiça a oportunidade de expandir o seu monitoramento ao setor privado, sem despender recursos e necessitar de inchaço do funcionalismo para isso.

Recompensa ao Informante

Ao limitar as denúncias aos crimes contra a administração pública, o Estado inviabiliza de vez a grande chance que poderia ter para moralizar o mercado. Ademais, 5% de uma penalidade é muito pouco para alguém sujeitar-se aos riscos que teria, ao fazer qualquer denúncia; embora a prática de recompensas no Brasil não seja praxe. Mas sempre há tempo para mudar e melhorar.

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Por outro lado, não é à toa que os Estados Unidos se destacam no mundo com os programas de compliance mais sofisticados e solidamente estruturados do mundo. Diferentemente de outros países, o risco de um problema mais sério causado por uma má conduta é provável de se originar dentro da própria empresa através de um informante. Dessa forma, torna-se inútil ter um código de ética e meia dúzia de políticas e procedimentos se, com efeito, o programa de compliance não for efetivo e os funcionários não tiverem a orientação clara para fazer o certo e quais serão as consequências para quem desejar fazer o errado. Sem essa efetividade, a empresa pode estar sujeita a sérios problemas com as autoridades, podendo acarretar consequências sérias, seja em seu bolso, seja na sua reputação.

Em 9 de setembro de 2024, a Securities & Exchange Commission (SEC – a Comissão de Valores Mobiliários americana) anunciou acusações contra sete empresas que estariam utilizando-se de acordos modificando contratos de trabalho, desligamentos e outras iniciativas. Essas modificações violavam regras contra retaliação, com o claro propósito de impedir que informantes relatassem potenciais más condutas à SEC. Em contraste, em dos principais pilares da criação das regras do Dodd-Frank Act para remunerar o informante foram as salvaguardas contra possíveis retaliações da sua empresa.

Assim, a SEC penalizou civilmente as seguintes empresas, em um total de mais de 3 milhões de dólares:

Empresa

Valor da Penalidade

1. Acadia Healthcare Company, Inc.

USD $ 1.386.000,00

2. Brands Holding Corp.

USD $ 399.750,00

3. AppFolio, Inc.

USD $ 692.250,00

4. Idex Corporation

USD $ 75.000,00

5. LSB Industries

USD $ 156.000,00

6. Smart for Life, Inc.

USD $ 19.500,00

7. TransUnion

USD $ 312.000,00

As Regras de Proteção ao Informante

Quem já se deu ao trabalho de tentar ler a lei Dodd-Frank Act vai ter uma surpresa, considerando a extensão do seu conteúdo, que se assemelha em proporção, ao tamanho de um código civil brasileiro.

Todas as normas que versam sobre a proteção do informante estão contidas na Seção 922 da referida lei e servem de exemplo para diversas nações que desejem implementar a figura do informante, mas que falharam em determinar as garantias para que o ele possa desempenhar seu papel, por exemplo, Brasil e França. Dessa forma, evidencia-se que, ao menos nesses dois países, a figura do informante é decorativa na lei e não funciona na prática, pois ninguém irá colocar o seu emprego em risco sem o incentivo e as garantias efetivamente proporcionadas pelo Estado.

Além da Seção 922 da Dodd-Frank Act acima descrita, a SEC expediu a Regra §240 21F-17(a) que proíbe qualquer pessoa de tomar uma  ação que impediça um informante de contatar a SEC diretamente para relatar uma possível violação da lei de valores mobiliários.

Ambos os dispositivos serão objeto de um artigo específico a ser feito em futuro breve.

A figura do Informante no Brasil

No Brasil, a figura do informante foi convertida em lei, por meio do pacote anticrime do ex-Ministro Sérgio Moro. Criou-se então a Lei nº 13.964, de 24 de dezembro de 2019, que acabou concedendo ao informante os seguintes direitos:

Tema

Definição

Preservação da Identidade

O informante terá direito à preservação de sua identidade, a qual apenas será revelada em caso de relevante interesse público ou interesse concreto para a apuração dos fatos. A revelação da identidade somente será efetivada mediante comunicação prévia ao informante e com sua concordância formal.

Proteções ao Informante

Além das medidas de proteção previstas na Lei nº 9.807, de 13 de julho de 1999 (Lei de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas), será assegurada ao informante proteção contra ações ou omissões praticadas em retaliação ao exercício do direito de relatar, tais como demissão arbitrária, alteração injustificada de funções ou atribuições, imposição de sanções, de prejuízos remuneratórios ou materiais de qualquer espécie, retirada de benefícios, diretos ou indiretos, ou negativa de fornecimento de referências profissionais positivas.

A quem Relatar

A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios e suas autarquias e fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista manterão unidade de ouvidoria ou correição, para assegurar a qualquer pessoa o direito de relatar informações sobre crimes contra a administração pública, ilícitos administrativos ou quaisquer ações ou omissões lesivas ao interesse público.

Consequências em Virtude de Retaliação

A prática de ações ou omissões de retaliação ao informante configurará falta disciplinar grave e sujeitará o agente à demissão a bem do serviço público. O informante será ressarcido em dobro por eventuais danos materiais causados por ações ou omissões praticadas em retaliação, sem prejuízo de danos morais.

Recompensa ao Informante

Quando as informações disponibilizadas resultarem em recuperação de produto de crime contra a administração pública, poderá ser fixada recompensa em favor do informante em até 5% do valor recuperado.

Como é possível visualizar acima, existem deficiências que impedem qualquer informante, em sã consciência, de fazer alguma denúncia, no Brasil. A tabela a seguir exemplifica esses problemas:

Tema

Deficiência

Preservação da Identidade

Revelar a identidade de um informante é um erro crasso. Ainda que o legislador tenha tentado acrescentar a necessidade da sua concordância formal, em um ambiente de tensão, a própria autoridade pode coagi-lo a aceitar, sob ameaça. Revelada a sua identidade, será muito difícil para uma autoridade garantir sequer a sua segurança.

A Quem Relatar

A falta de uma agência específica e a descentralização para as ouvidorias é um problema sério, considerando que as ouvidorias não são preparadas para prover as garantias ao informante.

Consequências em Virtude de Retaliação

O legislador tipifica a prática de ações ou omissões de retaliação ao informante como falta disciplinar grave contra a administração pública e sujeita o agente à demissão a bem do serviço público. Porém, não se espera retaliação por parte do serviço público e sim da empresa, onde o informante exerce a sua função. Ainda que possa haver informantes dentro do serviço público, o Estado desperdiça a oportunidade de expandir o seu monitoramento ao setor privado, sem despender recursos e necessitar de inchaço do funcionalismo para isso.

Recompensa ao Informante

Ao limitar as denúncias aos crimes contra a administração pública, o Estado inviabiliza de vez a grande chance que poderia ter para moralizar o mercado. Ademais, 5% de uma penalidade é muito pouco para alguém sujeitar-se aos riscos que teria, ao fazer qualquer denúncia; embora a prática de recompensas no Brasil não seja praxe. Mas sempre há tempo para mudar e melhorar.

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