No último mês, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo decidiu a favor dos ex-integrantes da banda Charlie Brown Jr., Thiago Castanho e Marco Britto, para permitir que continuem utilizando o nome da banda em suas apresentações.
A disputa teve início quando André Lima Abrão, filho único do ex-vocalista da banda, tradicionalmente conhecido como Chorão, se insurgiu judicialmente contra o uso da marca Charlie Brown Jr. pelos guitarristas Marcão e Thiago. Segundo o autor da ação, a expressão estaria registrada como marca de sua titularidade perante o INPI e teria assinado com os músicos um Contrato Sobre Titularidade de Marcas, que os obrigava a solicitarem sua autorização para a utilização das expressões registradas.
Em defesa, os músicos defenderam que o nome Charlie Brown Jr. identifica a banda da qual fizeram parte e que o INPI havia indeferido a tentativa prévia de registro da expressão por Chorão com base no artigo 124, inciso XVII, da Lei nº 9.279/96, por entender que o registro ocasionaria uma confusão com o famoso personagem dos quadrinhos Charlie Brown e Snoopy, da empresa Peanuts Worldwide LLC.
No entanto, em 2022, o filho de Chorão obteve a proteção do nome Charlie Brown Jr. como marca mista perante o INPI nas classes 31 e 45. Em consulta à base de dados do INPI, é possível verificar que a Peanuts Worldwide LLC apresentou Processos Administrativos de Nulidade, na tentativa de anular os registros das marcas, os quais estão pendentes de análise de mérito pela autarquia.
No que diz respeito ao instrumento particular firmado pelas partes, no processo judicial, os músicos defenderam que houve a quebra da base objetiva do negócio. Isso pois o contrato assinado se tornou excessivamente oneroso a eles, suprimindo seus direitos de personalidade e profissionais de se identificarem como ex-integrantes da aclamada banda que participaram, além de terem utilizado a expressão em conformidade com as disposições previstas contrato.
Na sentença, o juiz considerou que a referência feita pelos músicos à banda decorreria dos seus direitos de personalidade e ao exercício da sua atividade profissional. Também destacaram que foi comprovada uma atuação de “forma diligente perante os seus contratantes, requerendo expressamente ‘atenção’ à divulgação de seus próprios nomes” em conjunto com a expressão Charlie Brown Jr., tendo obedecido às disposições do contrato que previa a proporção de forma que o layout do nome deveria ocupar.
Vale lembrar que essa não é a primeira disputa emblemática envolvendo o nome de uma banda altamente consagrada no repertório brasileiro. A própria sentença trouxe como precedente a recente disputa acerca da utilização do nome Legião Urbana pelos seus ex-integrantes.
Em 2021, de forma semelhante como ocorreu no caso da marca Charlie Brown Jr., o STJ concluiu que a utilização do nome da banda Legião Urbana por seus antigos integrantes repercutiria diretamente na liberdade dos músicos de exercerem o próprio direito autoral sobre seu trabalho artístico. O acórdão destacou que seria legítima a utilização do nome Legião Urbana em apresentações musicais que fizessem referência à antiga banda, independente de autorização do titular do registro da marca perante o INPI.
Com isso, embora não sejam detentores do registro da marca perante o INPI ou licenciados, os ex-integrantes foram autorizados a usar o nome da banda Legião Urbana em shows, sendo vedada a vinculação da expressão para qualquer outra atividade que tenha por finalidade a exploração comercial da marca, como a venda de produtos, por exemplo.
Outra disputa envolvendo o nome de uma clássica banda de rock brasileiro teve um desfecho diferente nos últimos meses. Em maio deste ano, a justiça determinou a abstenção do uso da marca RPM por um dos integrantes originais da banda isoladamente para identificar sua banda cover. Na sentença, a juíza Luciana Novakoski Ferreira Alves de Oliveira levou em consideração que a marca havia sido concedida em regime de cotitularidade com outros integrantes e a utilização da expressão sem a anuência dos demais detentores e dentro do contexto de uma banda cover estaria em desacordo com o objetivo de preservação da marca.
Um aspecto importante deste caso é que os integrantes originais da banda RPM também haviam firmado um acordo dispondo sobre as formas de utilização da marca, de modo que a sentença buscou respeitar os termos pactuados e preservar a segurança jurídica do documento.
Pela avaliação dos notáveis julgados ponderados, é possível notar a tendência dos tribunais de buscar um equilíbrio entre os direitos de personalidade dos integrantes de um grupo musical e a finalidade de preservação da marca e a sua reputação. Isso sem, contudo, invalidar as deliberações voluntárias firmadas entre as partes em sede de contrato.
A análise dos recentes casos reforça a importância da formalização de disposições claras e precisas acerca dos ativos intangíveis dos grupos musicais, com previsões específicas quanto ao eventual descumprimento. É válido ressaltar ainda a relevância da formalização quanto à titularidade da marca ou seu uso na eventualidade de falecimento de seu titular ou de um de seus titulares, pois o registro de marca é considerado um bem móvel, estando sujeito ao direito sucessório.
A sentença no caso Charlie Brown Jr. ainda é passível de recurso, mas já serve para enfatizar o entendimento dos tribunais de preservação da integridade da marca e da intenção dos signatários no momento da assinatura de um instrumento particular, sem permitir abusos de nenhuma das partes envolvidas.