O caso Via S/A e Magazine Luiza: uso de marcas em links patrocinados

September 5, 2024

A VIA S/A, responsável pelas redes Casas Bahia e Ponto Frio, propôs uma ação judicial contra a MAGAZINE LUIZA S/A, visando a abstenção do uso de suas marcas registradas “CASAS BAHIA" e "PONTO FRIO” em links patrocinados da ferramenta GOOGLE ADS e a indenização por danos materiais e morais. De acordo com os autos, a motivação da empresa foi o recebimento de uma notificação extrajudicial em 2021, enviada pela MAGAZINE LUIZA S/A às vésperas da Black Friday, demandando a cessação imediata e definitiva de todo e qualquer uso da marca “MAGAZINE LUIZA” em links patrocinados de anúncios da VIA S/A. Em resposta à notificação, a VIA S/A alegou que se tratava de uma prática comum, recorrente e tolerada no mercado em que ambas as partes estão inseridas, prática essa que seria igualmente adotada pela própria MAGAZINE LUIZA. Ademais, defendeu que houve má-fé por parte da MAGAZINE LUIZA ao enviar a notificação às vésperas da Black Friday, evento de enorme interesse econômico para o setor varejista, causando um brutal desequilíbrio mercadológico ao abandonar a postura de tolerância recíproca pela referida prática.

Na ocasião, foi concedida a tutela de urgência para determinar a cessação da utilização das marcas “CASAS BAHIA” e “PONTO FRIO” como títulos e palavras-chave na disponibilização de anúncios patrocinados em ferramentas de busca como o Google, o Bing e outras semelhantes, além da proibição de incluir tais reproduções e imitações no título de seus anúncios patrocinados, no prazo de 5 dias. Entretanto, após contestação, foi proferida sentença de improcedência dos pedidos da VIA S/A, fundamentada na posição do Tribunal de Justiça da União Europeia, que defende a inexistência de violação à marca quando não se verifica ataque a suas funções, bem como a ausência de concorrência desleal se o consumidor puder distinguir que o anúncio não está relacionado ao titular da marca. Em recurso, a VIA S/A recorreu sustentando haver flagrante desbalanceamento da autorregulamentação do mercado no uso de marca como palavra-chave, o que configuraria prática de concorrência desleal pela MAGAZINE LUIZA, além de haver comprovação da associação indevida das marcas da VIA S/A como palavras-chave usadas pela MAGAZINE LUIZA.

Em decisão assinada pelo Relator Sérgio Shimura, o Recurso foi conhecido e provido no sentido de que as alegações da VIA S/A sobre o uso indevido das marcas registradas “Casas Bahia" e "Ponto Frio" em links patrocinados pela MAGAZINE LUIZA ensejam concorrência desleal, com destaque para o trecho que segue:

“Cabe lembrar que a concorrência desleal se caracteriza pelo desvio de clientela, por meio do uso indevido de mecanismos que induzem o consumidor à confusão entre estabelecimentos comerciais, industriais ou prestadores de serviço, ou entre os produtos e serviços postos no comércio. Tal prática pode afetar ou reduzir o valor de uma marca ou denominação empresarial na respectiva classe de atuação, vez que pode ser associada a empresas que prestem serviços ou comercializem produtos de qualidade duvidosa ou inferior àquelas que já ostentem bons indicativos. Com isso, existe a possibilidade de o consumidor se confundir ou vincular uma marca à outra, como se fosse do mesmo grupo empresarial ou econômico, gerando prejuízo ao titular do registro ou da patente. Além disso, a distinção da marca deve estar aliada a anterioridade e a especificidade. A anterioridade corresponde ao seu uso com precedência, em que a exteriorização se perfaz de modo pioneiro; e a especificidade é a identificação de uma marca comum tipo específico de um produto ou serviço. Demonstrada a conjunção desses fatores pode o titular da marca ou patente buscar a tutela jurisdicional para suspender ou interromper o seu uso indevido, além da reparação pelas perdas financeiras e danos morais, em virtude da prática da concorrência parasitária, caracterizada pelo desvio de clientela, diluição e reputação da marca e/ou nome empresarial, nos termos dos arts. 130, 207 e 209, Lei n. 9.279/1996. [...] Dessarte, do acervo probatório, restou demonstrado que a ré utilizou elemento nominativo de marca registrada alheia, dotado de suficiente distintividade e no mesmo ramo de atividade, como vocábulo de busca à divulgação de anúncios contratados junto a provedores de pesquisas na internet, situação que caracteriza a concorrência desleal, nos termos do Enunciado XVII do Grupo de Câmaras Reservadas de Direito Empresarial (“Caracteriza ato de concorrência desleal a utilização de elemento nominativo de marca registrada alheia, nome empresarial ou título do estabelecimento, dotado de suficiente distintividade e no mesmo ramo de atividade, como vocábulo de busca à divulgação de anúncios contratados junto a provedores de pesquisa na internet”). Em reforço, pelo Enunciado XXIII do Grupo das Câmaras Reservadas de Direito Empresarial, “A utilização de elemento nominativo de marca, nome empresarial ou título do estabelecimento concorrente, como palavra-chave na plataforma de anúncios do Google (Google Ads), caracteriza utilização parasitária, por propiciar prática de ato de concorrência desleal (art. 195, III, da Lei n. 9.279/1996), implicando responsabilidade solidária do provedor, em razão do risco da atividade (art. 927, par. ún., do CC)”.

Além disso, a decisão determinou a cessação do uso das marcas “Casas Bahia” e “Ponto Frio” em links patrocinados ou em outro mecanismo pela MAGAZINE LUIZA, sob pena de multa diária de R$ 5.000,00 (limitada a R$ 100.000,00), e fixou uma indenização por danos morais no valor de R$ 10.000,00.

Não obstante o uso de marcas concorrentes pelas varejistas nas ferramentas de busca na internet ter sido recíproco por algum período, o fato não afasta a ilegalidade da ação, uma vez que o uso de marca de terceiros no redirecionamento de buscas online poderá, indubitavelmente, ensejar desvio de clientela e danos ao titular da marca.

A Lei da Propriedade Industrial determina que a propriedade da marca se adquire pelo registro validamente expedido, sendo assegurado ao titular o seu uso exclusivo em todo o território nacional, bem como o direito de zelar pela sua integridade material ou reputação. A mesma lei prevê que comete crime de concorrência desleal quem emprega meio fraudulento para desviar, em proveito próprio ou alheio, a clientela de outrem. Ademais, como pontuado na decisão proferida no presente caso, os Enunciados XVII e XXIII do Grupo de Câmaras Reservadas de Direito Empresarial, que sintetizam o entendimento da área e visam à uniformização dos julgados, dispõem que:

Enunciado XVII – Caracteriza ato de concorrência desleal a utilização de elemento nominativo de marca registrada alheia, nome empresarial ou título do estabelecimento, dotado de suficiente distintividade e no mesmo ramo de atividade, como vocábulo de busca à divulgação de anúncios contratados junto a provedores de pesquisa na internet. (aprovado em sessão realizada em 27/09/2022)

Enunciado XXIII – A utilização de elemento nominativo de marca, nome empresarial ou título do estabelecimento concorrente, como palavra-chave na plataforma de anúncios do Google (Google Ads), caracteriza utilização parasitária, por propiciar prática de ato de concorrência desleal (art. 195, III, da Lei n. 9.279/1996), implicando responsabilidade solidária do provedor, em razão do risco da atividade (art. 927, par. ún., do CC). Inaplicabilidade do art. 19, do MCI, porque a escolha de palavra-chave, para serviço de publicidade direcionada, não se confunde com produção de conteúdo por terceiros. (aprovado em sessão realizada em 12/12/2023)

Não obstante os enunciados mencionados terem sido inseridos após a sentença originária, datada de 06/09/2022, que julgou improcedente os pedidos da VIA S/A, uma pesquisa jurisprudencial no Tribunal de Justiça de São Paulo revela que já havia precedentes quanto à configuração de concorrência desleal e parasitismo decorrentes do uso indevido de marcas registradas por terceiros em ferramentas de buscas online, evidenciando o equívoco no embasamento da decisão com base em julgados de tribunais estrangeiros, especialmente em posições contrárias àquelas anteriormente proferidas em tribunais nacionais.

Ademais, vale lembrar que a concorrência desleal afeta não apenas as partes envolvidas, mas também as relações de consumo. Dessa forma, a infração aos direitos marcários e a prática de concorrência desleal e parasitismo possibilitam o desvio de clientela, o enriquecimento ilícito e a diluição e enfraquecimento da marca infringida. Ainda que a prática seja “bem tolerada pelas partes”, deve-se atentar aos prejuízos causados ao consumidor, que pode ser induzido a erro, confusão ou associação indevida e acabar adquirindo produtos e/ou serviços de fonte diversa da originalmente pretendida.

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Na ocasião, foi concedida a tutela de urgência para determinar a cessação da utilização das marcas “CASAS BAHIA” e “PONTO FRIO” como títulos e palavras-chave na disponibilização de anúncios patrocinados em ferramentas de busca como o Google, o Bing e outras semelhantes, além da proibição de incluir tais reproduções e imitações no título de seus anúncios patrocinados, no prazo de 5 dias. Entretanto, após contestação, foi proferida sentença de improcedência dos pedidos da VIA S/A, fundamentada na posição do Tribunal de Justiça da União Europeia, que defende a inexistência de violação à marca quando não se verifica ataque a suas funções, bem como a ausência de concorrência desleal se o consumidor puder distinguir que o anúncio não está relacionado ao titular da marca. Em recurso, a VIA S/A recorreu sustentando haver flagrante desbalanceamento da autorregulamentação do mercado no uso de marca como palavra-chave, o que configuraria prática de concorrência desleal pela MAGAZINE LUIZA, além de haver comprovação da associação indevida das marcas da VIA S/A como palavras-chave usadas pela MAGAZINE LUIZA.

Em decisão assinada pelo Relator Sérgio Shimura, o Recurso foi conhecido e provido no sentido de que as alegações da VIA S/A sobre o uso indevido das marcas registradas “Casas Bahia" e "Ponto Frio" em links patrocinados pela MAGAZINE LUIZA ensejam concorrência desleal, com destaque para o trecho que segue:

“Cabe lembrar que a concorrência desleal se caracteriza pelo desvio de clientela, por meio do uso indevido de mecanismos que induzem o consumidor à confusão entre estabelecimentos comerciais, industriais ou prestadores de serviço, ou entre os produtos e serviços postos no comércio. Tal prática pode afetar ou reduzir o valor de uma marca ou denominação empresarial na respectiva classe de atuação, vez que pode ser associada a empresas que prestem serviços ou comercializem produtos de qualidade duvidosa ou inferior àquelas que já ostentem bons indicativos. Com isso, existe a possibilidade de o consumidor se confundir ou vincular uma marca à outra, como se fosse do mesmo grupo empresarial ou econômico, gerando prejuízo ao titular do registro ou da patente. Além disso, a distinção da marca deve estar aliada a anterioridade e a especificidade. A anterioridade corresponde ao seu uso com precedência, em que a exteriorização se perfaz de modo pioneiro; e a especificidade é a identificação de uma marca comum tipo específico de um produto ou serviço. Demonstrada a conjunção desses fatores pode o titular da marca ou patente buscar a tutela jurisdicional para suspender ou interromper o seu uso indevido, além da reparação pelas perdas financeiras e danos morais, em virtude da prática da concorrência parasitária, caracterizada pelo desvio de clientela, diluição e reputação da marca e/ou nome empresarial, nos termos dos arts. 130, 207 e 209, Lei n. 9.279/1996. [...] Dessarte, do acervo probatório, restou demonstrado que a ré utilizou elemento nominativo de marca registrada alheia, dotado de suficiente distintividade e no mesmo ramo de atividade, como vocábulo de busca à divulgação de anúncios contratados junto a provedores de pesquisas na internet, situação que caracteriza a concorrência desleal, nos termos do Enunciado XVII do Grupo de Câmaras Reservadas de Direito Empresarial (“Caracteriza ato de concorrência desleal a utilização de elemento nominativo de marca registrada alheia, nome empresarial ou título do estabelecimento, dotado de suficiente distintividade e no mesmo ramo de atividade, como vocábulo de busca à divulgação de anúncios contratados junto a provedores de pesquisa na internet”). Em reforço, pelo Enunciado XXIII do Grupo das Câmaras Reservadas de Direito Empresarial, “A utilização de elemento nominativo de marca, nome empresarial ou título do estabelecimento concorrente, como palavra-chave na plataforma de anúncios do Google (Google Ads), caracteriza utilização parasitária, por propiciar prática de ato de concorrência desleal (art. 195, III, da Lei n. 9.279/1996), implicando responsabilidade solidária do provedor, em razão do risco da atividade (art. 927, par. ún., do CC)”.

Além disso, a decisão determinou a cessação do uso das marcas “Casas Bahia” e “Ponto Frio” em links patrocinados ou em outro mecanismo pela MAGAZINE LUIZA, sob pena de multa diária de R$ 5.000,00 (limitada a R$ 100.000,00), e fixou uma indenização por danos morais no valor de R$ 10.000,00.

Não obstante o uso de marcas concorrentes pelas varejistas nas ferramentas de busca na internet ter sido recíproco por algum período, o fato não afasta a ilegalidade da ação, uma vez que o uso de marca de terceiros no redirecionamento de buscas online poderá, indubitavelmente, ensejar desvio de clientela e danos ao titular da marca.

A Lei da Propriedade Industrial determina que a propriedade da marca se adquire pelo registro validamente expedido, sendo assegurado ao titular o seu uso exclusivo em todo o território nacional, bem como o direito de zelar pela sua integridade material ou reputação. A mesma lei prevê que comete crime de concorrência desleal quem emprega meio fraudulento para desviar, em proveito próprio ou alheio, a clientela de outrem. Ademais, como pontuado na decisão proferida no presente caso, os Enunciados XVII e XXIII do Grupo de Câmaras Reservadas de Direito Empresarial, que sintetizam o entendimento da área e visam à uniformização dos julgados, dispõem que:

Enunciado XVII – Caracteriza ato de concorrência desleal a utilização de elemento nominativo de marca registrada alheia, nome empresarial ou título do estabelecimento, dotado de suficiente distintividade e no mesmo ramo de atividade, como vocábulo de busca à divulgação de anúncios contratados junto a provedores de pesquisa na internet. (aprovado em sessão realizada em 27/09/2022)

Enunciado XXIII – A utilização de elemento nominativo de marca, nome empresarial ou título do estabelecimento concorrente, como palavra-chave na plataforma de anúncios do Google (Google Ads), caracteriza utilização parasitária, por propiciar prática de ato de concorrência desleal (art. 195, III, da Lei n. 9.279/1996), implicando responsabilidade solidária do provedor, em razão do risco da atividade (art. 927, par. ún., do CC). Inaplicabilidade do art. 19, do MCI, porque a escolha de palavra-chave, para serviço de publicidade direcionada, não se confunde com produção de conteúdo por terceiros. (aprovado em sessão realizada em 12/12/2023)

Não obstante os enunciados mencionados terem sido inseridos após a sentença originária, datada de 06/09/2022, que julgou improcedente os pedidos da VIA S/A, uma pesquisa jurisprudencial no Tribunal de Justiça de São Paulo revela que já havia precedentes quanto à configuração de concorrência desleal e parasitismo decorrentes do uso indevido de marcas registradas por terceiros em ferramentas de buscas online, evidenciando o equívoco no embasamento da decisão com base em julgados de tribunais estrangeiros, especialmente em posições contrárias àquelas anteriormente proferidas em tribunais nacionais.

Ademais, vale lembrar que a concorrência desleal afeta não apenas as partes envolvidas, mas também as relações de consumo. Dessa forma, a infração aos direitos marcários e a prática de concorrência desleal e parasitismo possibilitam o desvio de clientela, o enriquecimento ilícito e a diluição e enfraquecimento da marca infringida. Ainda que a prática seja “bem tolerada pelas partes”, deve-se atentar aos prejuízos causados ao consumidor, que pode ser induzido a erro, confusão ou associação indevida e acabar adquirindo produtos e/ou serviços de fonte diversa da originalmente pretendida.