A importância das cláusulas anticorrupção em contratos internacionais
Atuar em acordos comerciais pode ser um desafio quando pensamos em assegurar a conformidade das relações com as melhores práticas anticorrupção. Quando consideramos a pluralidade de legislações sobre o tema em âmbito global, devemos ter em mente que elas possuem obrigações em níveis diferentes de austeridade e até mesmo definições de quem pode ser enquadrado ou o que seria um ato de corrupção.
As cláusulas anticorrupção desempenham um papel crucial na promoção da integridade e na mitigação de riscos em contratos internacionais. Elas são instrumentos legais que visam prevenir e combater práticas corruptas, garantindo que as partes envolvidas ajam de maneira ética e transparente. Ao incluir tais cláusulas nos acordos comerciais, as empresas demonstram seu compromisso com a conformidade legal e a responsabilidade social, contribuindo para a construção de um ambiente de negócios mais confiável e sustentável.
Além disso, tais cláusulas proporcionam segurança jurídica às partes contratantes. Elas estabelecem padrões claros de conduta, definindo o que é aceitável e o que constitui uma violação. Dessa forma, reduzem a incerteza e os riscos associados a práticas ilícitas, protegendo os interesses das empresas e fortalecendo a confiança mútua entre os parceiros comerciais. Em um cenário global cada vez mais interconectado, a adoção dessas cláusulas é essencial para preservar a reputação das organizações e promover a ética nos negócios internacionais
Histórico da legislação anticorrupção nos Estados Unidos e seu impacto no mundo
Na década de 1970, os Estados Unidos promulgaram a Foreign Corrupt Practices Act (FCPA), uma lei pioneira no combate à corrupção em âmbito internacional. Essa legislação foi criada com o objetivo de enfrentar casos de suborno e pagamento de propinas a agentes públicos, tanto dentro dos EUA quanto no exterior. O escândalo de Watergate, que motivou sua aprovação, envolveu mais de 400 empresas norte-americanas, que foram descobertas realizando pagamentos suspeitos a autoridades estrangeiras para garantir negócios no exterior. A FCPA não apenas tornou mais rígidas as penalidades para organizações envolvidas em corrupção, mas também estabeleceu disposições para garantir a precisão dos registros contábeis e a transparência nas finanças corporativas. Essa lei teve um impacto global significativo, servindo como base para a promulgação de legislações similares em diversos países.
A FCPA não apenas contribuiu para a restauração da reputação das empresas norte-americanas, mas também desencadeou uma mudança global na abordagem contra a corrupção. Seu legado persiste até hoje, incentivando a adoção de práticas éticas, programas de compliance e a promoção da integridade nas relações comerciais internacionais.
Reflexo da influência no ordenamento jurídico brasileiro e a importância da Lei Anticorrupção como suporte legal para a inserção de cláusulas anticorrupção
A influência da FCPA no ordenamento jurídico brasileiro foi notável. Em 2013, a Lei Anticorrupção Brasileira (Lei nº 12.846 de 1º de agosto de 2013) foi promulgada para preencher uma lacuna legal na aplicação de medidas anticorrupção no país, podendo ser comparada à FCPA e ao UK Bribery Act (lei anticorrupção britânica), bem como aos padrões estabelecidos pela Convenção Antissuborno da OCDE. A legislação brasileira trouxe maior rigor na responsabilização de empresas por atos de corrupção, estabelecendo sanções e incentivando a adoção de programas de compliance. Assim, a FCPA desempenhou um papel fundamental ao inspirar e moldar o arcabouço legal brasileiro no combate à corrupção corporativa.
As definições dadas pela lei fizeram com que a efetividade de uma cláusula anticorrupção em um contrato comercial aumentasse de forma significativa. Em negócios realizados em território nacional, passou-se a ter um suporte legal tão robusto quanto os internacionais, igualando as empresas brasileiras nos mais altos padrões de busca por conformidade e na luta por integridade nas relações comerciais.
Detalhamento das obrigações das partes contratantes: referências a tratados internacionais relevantes e leis anticorrupção estrangeiras
A aplicação de leis estrangeiras e tratados internacionais nas cláusulas anticorrupção em contratos brasileiros é uma prática essencial para garantir a conformidade legal e a prevenção de práticas ilícitas. O sistema jurídico brasileiro aceita que a lei do país onde o contrato é celebrado deve reger as obrigações nele estabelecidas. No entanto, em contratos internacionais, é comum incluir referências a normas estrangeiras e tratados relevantes para fortalecer as cláusulas anticorrupção. Por exemplo, a Lei Anticorrupção Brasileira pode ser utilizada em conjunto com a FCPA dos Estados Unidos e com a UK Bribery Act do Reino Unido para estabelecer padrões de conduta e responsabilidades mais rigorosos. Além disso, tratados internacionais, como a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção e a Convenção da OCDE sobre o Combate à Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais, também influenciam a redação e a aplicação das cláusulas anticorrupção, promovendo a harmonização global na prevenção e combate à corrupção empresarial.
Essa abordagem permite que as partes contratantes considerem as melhores práticas internacionais, adaptem-se ao ambiente global de negócios e fortaleçam a eficácia das cláusulas anticorrupção. Assim, a combinação de legislação nacional, normas estrangeiras e tratados internacionais contribui para a construção de contratos sólidos, éticos e alinhados com os mais altos padrões internacionais de integridade.
Efetividade das leis anticorrupção estrangeiras nos contratos brasileiros e estrangeiros
Por mais que seja questionada a eficácia jurídica de uma lei estrangeira em um contrato brasileiro, cabe salientar que o contrato nada mais é que um acordo entre partes que, em sua natureza é capaz de criar direitos e obrigações, seja o direito de receber um produto, a obrigação de realização de pagamento, ou a de conformidade com uma lei estrangeira. Ainda que, via de regra, o contrato explicitará qual a legislação e foro aplicável para dirimir conflitos no negócio jurídico, é importante ter em mente que a conformidade com a lei estrangeira anticorrupção indicada em cláusula específica gera responsabilidade e possibilidade de sanções. A cláusula anticorrupção deve ser sempre um dispositivo não negociável no contrato, sendo sua violação passível de término imediato do contrato.
Importante salientar que, em um ambiente de negócios globalizado, a conformidade com as legislações anticorrupção estrangeiras não tem apenas o condão de elevar o nível de confiança de uma empresa, mas de evitar que esta sofra sanções em países como os Estados Unidos, onde a FCPA as prevê inclusive para empresas estrangeiras que tenham negócios ou conexões com os EUA pela prática de corrupção dentro ou fora do território americano.
Um exemplo disso foi o caso do Deutsche Bank1 que, em 2021, optou por um acordo no valor de 130 milhões de dólares com o Departamento de Justiça americano por manter entre 2009 e 2013 registros financeiros falsos a fim de acobertar, entre outras coisas, pagamentos a consultores feitos sem registros de serviços prestados. O pagamento a uma consultoria Saudita, empresa da esposa de um tomador de decisões, foi aprovado mesmo com o conhecimento da relação, para a facilitação do pagamento de mais de 1 milhão de dólares ao tomador de decisões. Os empregados do Deutsche Bank discutiram abertamente a necessidade do pagamento à empresa para incentivar seu marido a manter negócios com o banco.
O banco ainda contratou uma consultoria em Abu Dhabi sem qualificações para tal exercer a atividade, exceto pela relação familiar com o tomador de decisões. Em verdade, o consultor apenas servia como intermediário para o tomador de decisões que recebeu 3 milhões de dólares sem registros.
Apenas como multa relacionada à FCPA a empresa recebeu uma penalidade financeira de US$ 79.561.206.
Uma cláusula robusta e baseada nas principais leis nacionais e estrangeiras demonstra em absoluto o comprometimento das partes no combate à corrupção nos negócios internacionais, expondo a vontade de um acordo ético e a preocupação em atender os padrões internacionais, criando confiança em sua marca e reduzindo o risco em seus acordos.
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