A VIA S/A, responsável pelas redes Casas Bahia e Ponto Frio, propôs uma ação judicial contra a MAGAZINE LUIZA S/A, visando a abstenção do uso de suas marcas registradas "CASAS BAHIA" e "PONTO FRIO" em links patrocinados da ferramenta GOOGLE ADS e a indenização por danos materiais e morais. De acordo com os autos, a motivação da empresa foi o recebimento de uma notificação extrajudicial em 2021, enviada pela MAGAZINE LUIZA S/A às vésperas da Black Friday, demandando a cessação imediata e definitiva de todo e qualquer uso da marca "MAGAZINE LUIZA" em links patrocinados de anúncios da VIA S/A. Em resposta à notificação, a VIA S/A alegou que se tratava de uma prática comum, recorrente e tolerada no mercado em que ambas as partes estão inseridas, prática essa que seria igualmente adotada pela própria MAGAZINE LUIZA. Ademais, defendeu que houve má-fé por parte da MAGAZINE LUIZA ao enviar a notificação às vésperas da Black Friday, evento de enorme interesse econômico para o setor varejista, causando um brutal desequilíbrio mercadológico ao abandonar a postura de tolerância recíproca pela referida prática.
Na ocasião, foi concedida a tutela de urgência para determinar a cessação da utilização das marcas "CASAS BAHIA" e "PONTO FRIO" como títulos e palavras-chave na disponibilização de anúncios patrocinados em ferramentas de busca como o Google, o Bing e outras semelhantes, além da proibição de incluir tais reproduções e imitações no título de seus anúncios patrocinados, no prazo de 5 dias. Entretanto, após contestação, foi proferida sentença de improcedência dos pedidos da VIA S/A, fundamentada na posição do Tribunal de Justiça da União Europeia, que defende a inexistência de violação à marca quando não se verifica ataque a suas funções, bem como a ausência de concorrência desleal se o consumidor puder distinguir que o anúncio não está relacionado ao titular da marca. Em recurso, a VIA S/A recorreu sustentando haver flagrante desbalanceamento da autorregulamentação do mercado no uso de marca como palavra-chave, o que configuraria prática de concorrência desleal pela MAGAZINE LUIZA, além de haver comprovação da associação indevida das marcas da VIA S/A como palavras-chave usadas pela MAGAZINE LUIZA.
Em decisão assinada pelo Relator Sérgio Shimura, o Recurso foi conhecido e provido no sentido de que as alegações da VIA S/A sobre o uso indevido das marcas registradas "Casas Bahia" e "Ponto Frio" em links patrocinados pela MAGAZINE LUIZA ensejam concorrência desleal, com destaque para o trecho que segue:
Além disso, a decisão determinou a cessação do uso das marcas "Casas Bahia" e "Ponto Frio" em links patrocinados ou em outro mecanismo pela MAGAZINE LUIZA, sob pena de multa diária de R$ 5.000,00 (limitada a R$ 100.000,00), e fixou uma indenização por danos morais no valor de R$ 10.000,00.
Não obstante o uso de marcas concorrentes pelas varejistas nas ferramentas de busca na internet ter sido recíproco por algum período, o fato não afasta a ilegalidade da ação, uma vez que o uso de marca de terceiros no redirecionamento de buscas online poderá, indubitavelmente, ensejar desvio de clientela e danos ao titular da marca.
A Lei da Propriedade Industrial determina que a propriedade da marca se adquire pelo registro validamente expedido, sendo assegurado ao titular o seu uso exclusivo em todo o território nacional, bem como o direito de zelar pela sua integridade material ou reputação. A mesma lei prevê que comete crime de concorrência desleal quem emprega meio fraudulento para desviar, em proveito próprio ou alheio, a clientela de outrem. Ademais, como pontuado na decisão proferida no presente caso, os Enunciados XVII e XXIII do Grupo de Câmaras Reservadas de Direito Empresarial, que sintetizam o entendimento da área e visam à uniformização dos julgados, dispõem que:
Enunciado XVII - Caracteriza ato de concorrência desleal a utilização de elemento nominativo de marca registrada alheia, nome empresarial ou título do estabelecimento, dotado de suficiente distintividade e no mesmo ramo de atividade, como vocábulo de busca à divulgação de anúncios contratados junto a provedores de pesquisa na internet. (aprovado em sessão realizada em 27/09/2022)
Enunciado XXIII - A utilização de elemento nominativo de marca, nome empresarial ou título do estabelecimento concorrente, como palavra-chave na plataforma de anúncios do Google (Google Ads), caracteriza utilização parasitária, por propiciar prática de ato de concorrência desleal (art. 195, III, da Lei n. 9.279/1996), implicando responsabilidade solidária do provedor, em razão do risco da atividade (art. 927, par. ún., do CC). Inaplicabilidade do art. 19, do MCI, porque a escolha de palavra-chave, para serviço de publicidade direcionada, não se confunde com produção de conteúdo por terceiros. (aprovado em sessão realizada em 12/12/2023)
Não obstante os enunciados mencionados terem sido inseridos após a sentença originária, datada de 06/09/2022, que julgou improcedente os pedidos da VIA S/A, uma pesquisa jurisprudencial no Tribunal de Justiça de São Paulo revela que já havia precedentes quanto à configuração de concorrência desleal e parasitismo decorrentes do uso indevido de marcas registradas por terceiros em ferramentas de buscas online, evidenciando o equívoco no embasamento da decisão com base em julgados de tribunais estrangeiros, especialmente em posições contrárias àquelas anteriormente proferidas em tribunais nacionais.
Ademais, vale lembrar que a concorrência desleal afeta não apenas as partes envolvidas, mas também as relações de consumo. Dessa forma, a infração aos direitos marcários e a prática de concorrência desleal e parasitismo possibilitam o desvio de clientela, o enriquecimento ilícito e a diluição e enfraquecimento da marca infringida. Ainda que a prática seja "bem tolerada pelas partes", deve-se atentar aos prejuízos causados ao consumidor, que pode ser induzido a erro, confusão ou associação indevida e acabar adquirindo produtos e/ou serviços de fonte diversa da originalmente pretendida.
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