O STJ e a publicidade de medicamentos

September 18, 2024

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JOTA

Decisão da corte pode impactar mercado, mas setor precisa ficar de olho para assegurar efeito positivo

Nas últimas semanas, noticiou-se o acórdão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que reconheceu a ilegalidade de parte das disposições da Resolução da Diretoria Colegiada da Anvisa (RDC) 96/2008, que disciplina a publicidade de medicamentos no país (REsp 2.035.645/DF).

O acórdão foi proferido pela 1ª Turma no âmbito de ação proposta pela farmacêutica Aspen, por meio da qual buscava que Anvisa se abstivesse de aplicar qualquer sanção com base na RDC 96/2008. Na 1ª na 2ª instancias, as decisões foram favoráveis à empresa, tendo a Anvisa recorrido ao STJ.

Em resumo, o STJ entendeu que a Anvisa extrapolou os limites da sua competência ao editar a RDC 96/2008 estabelecendo regras de natureza não sanitária, como proibir a propaganda indireta de medicamentos em contextos cênicos, espetáculos, filmes, ou proibir o uso em peças publicitárias de imagens de pessoas utilizando o medicamento. A competência da Anvisa no tema é estabelecida pela Lei 9.782/1999, que incumbe à agência “controlar, fiscalizar e acompanhar, sob o prisma da legislação sanitária, a propaganda e publicidade de produtos submetidos ao regime de vigilância sanitária”.

O exercício dessa competência, decidiu o STJ, deve observar os parâmetros estabelecidos pelo art. 220, §§ 3º, II e 4º, da Constituição e pela Lei 9.294/1996, que disciplinou o referido dispositivo constitucional quando prevê que a publicidade de medicamentos “estará sujeita a restrições legais”. E tanto o texto constitucional quanto o legal permitem a imposição de restrições à publicidade de medicamentos apenas na medida em que sejam necessárias para proteger os consumidores dos malefícios decorrentes do seu uso, sob a ótica da vigilância sanitária.

O entendimento adotado pelo STJ não é novo. O Judiciário já corrigia excessos da Anvisa no tema publicidade de medicamentos mesmo antes da publicação da RDC 96/2008, quando ainda vigorava a RDC 102/2000. A título de exemplo, o Tribunal Regional da 1ª Região (TRF1) anulou auto de infração lavrado pela agência com base na RDC 102/2000 justamente por entender que o legislador não conferiu à Anvisa competência para estabelecer outras restrições para além daquelas já previstas na Lei 9.294/1996.

Outro exemplo é a ação declaratória ajuizada pela ABIMIP, antes mesmo da entrada em vigor da RDC 96/2008, objetivando afastar a aplicação de parte dos seus dispositivos em relação aos seus associados. Ao julgar a ação, o TRF1 entendeu que “a Anvisa, com a edição da RDC n. 96/08, surpreendeu seus destinatários, uma vez que trouxe restrições e proibições, ultrapassando o seu poder de regulação, com possível ofensa ao § 4º do art. 220 da Constituição Federal”.

Portanto, a novidade não foi o entendimento em si, mas sim o fato de o STJ ter encampado o entendimento há muito adotado por outros tribunais. E isso, por si só, pode ter um impacto para todo o setor, ainda que o precedente do STJ não possua caráter vinculante nos termos do art. 927 do CPC. Isso porque, além de decidir o caso concreto, os ministros do STJ oficiaram o Ministério da Saúde e o Congresso Nacional sobre o teor da sua decisão, como um “mecanismo potencialmente catalizador” de uma nova reflexão sobre o tema.

O problema é que essa nova reflexão pode gerar um resultado negativo para o setor, eis que, em última análise, pode levar o Congresso a ampliar o escopo de limitações hoje estabelecidas pela Lei 9.294/1996. Essa ampliação poderia ser encampada por um discurso de necessidade de atualização da legislação, criada um cenário muito diferente do cenário atual dos esforços de marketing. O próprio STJ mencionou a desatualização do marco legal atual. Consequentemente, criar-se-ia a base legal para que a Anvisa voltasse a atuar tal como pretendeu com a RDC 96/2008. Assim, é preciso acompanhar eventuais esforços no legislativo.  

Por outro lado, não havendo movimentos no legislativo indicando uma intenção de ampliação do escopo das limitações impostas pela Lei 9.294/1996, a decisão do STJ pode ter um impacto positivo no sentido de levar a Anvisa a dar continuidade ao seu processo de revisão da RDC 96/2008.

No passado, a Anvisa chegou a incluir a necessidade de revisão da norma na Lista de Temas da Agenda Regulatória 2017-2020, o que resultou na abertura do processo 25351.360770/2013-89.

Um dos motivos que levou a isso foi a opinião da AGU no sentido de que “as normas legais existentes não conferem, com fundamento no art. 220, parágrafo quarto, CF/1988, poderes tão amplos de regulação de propaganda de medicamentos à ANVISA”, pelo que deveria haver a “substituição da resolução ou elaboração de projeto de lei sobre o assunto, com imediata retirada da norma do campo de vigência”.

Apesar disso, esse processo de revisão foi posteriormente arquivado sob a justificativa de que “não há pretensão de retomar o tema enquanto o mesmo permanecer judicializado”, conforme o Despacho de Arquivamento 152/2019. A Anvisa entendeu que havia um “ambiente de insegurança jurídica [...], pois estando as empresas associadas amparadas por liminares, quaisquer alterações em seus quadros associativos, por inclusão ou afastamento, podem gerar prejuízo ao fiscal que autuar uma empresa que possui liminar, ou ainda deixar de autuar quem não possui liminar”.

Considerando que o que levou ao arquivamento do processo de revisão da RDC 96/2008 foi justamente a sua contínua judicialização, pode-se entender que, agora, a Anvisa deverá retomá-lo. O acórdão do STJ é a condicionante que faltava para fazer com que a Anvisa inicie um novo processo de revisão da RDC 96/2008, de modo a atender aos limites estabelecidos pela Lei 9.294/1996.

Não obstante, até que a RDC 96/2008 seja revista, o ponto positivo é que a indústria poderá se munir da força de convencimento do novo precedente caso ainda venha a ter suas atividades de publicidade tolhidas pela agência com fundamento na RDC 96/2008 (pelo menos, naquilo que inova com relação à Lei 9.294/1996), recorrendo à tutela do Judiciário nesses casos. Aliás, fazê-lo pode contribuir para que a Anvisa enfim conclua o seu processo de revisão da RDC 96/2008.

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